Por Fredi Cardozo,

A política entrou e Misha chorou…

Rio de Janeiro, 13 de março de 2013 – Detentor da maior bilheteria do cinema brasileiro o documentarista Silvio Tendler é reconhecido por falar da memória em seus filmes. Sua participação no edital do Memória do Esporte – que brincou ser seu edital -, veio de uma memória pessoal e será retratada no curta O Brasil na terra do Misha”, filme sobre as olimpíadas de Moscou (1980). Outra característica de Silvio em seus trabalhos é a veia política, coisa que não veremos nesta produção, pois para ele é mais importante trazer para o filme depoimentos e emoções de quem viveu aquele momento. A edição soviética dos Jogos ficou marcada pelo maior boicote da história – 70 países boicotaram a competição – e pela lágrima de despedida do mascote que dá nome ao documentário, Misha. O diretor da Caliban Produções Cinematográficas recebeu a reportagem em seu apartamento, no Rio de Janeiro e com muita simpatia conversou sobre seu filme, política e esporte. Leia a entrevista na íntegra abaixo:

Silvio, você é um cineasta e documentarista famoso por trabalhar a questão da memória em suas produções. Como você chegou até este edital que trata da memória olímpica?

É uma história engraçada o que me trouxe para o edital do Memória do Esporte, meu próprio edital (risos), eu vi o negócio das olimpíadas e isso passou pela minha cabeça, mas eu disse que era coisa de cartas marcadas. Eu pensei que não teria chance de entrar nisso, porque as pessoas já estavam selecionadas, já existe um estilo, uma escola. E ai eu vi o edital e vi que não era tão marcado assim, me parecia bastante sério e honesto e que havia a chance de fazer. A segunda coisa que me passou pela cabeça foi o seguinte; a minha maior proximidade com o esporte é gostar de mulher bonita, eu não pratico esporte sou a pessoa mais ociosa que você conhece, não tem nenhuma modalidade de esporte que me atraia particularmente.

Diretor Silvio Tendler

E por que você escolheu falar sobre os Jogos de Moscou?

Eu acho que é uma história interessante, que pode ser contada e ai como você falou, eu sou um cara ligado a memória e sobre tudo o viés político das coisas, ai eu me lembrei das olimpíadas de Moscou. Tem um pouco da minha história pessoal, meus pais assistiram – meu pai é nascido na Ucrânia veio para o Brasil com oito anos e a minha mãe é filha de ucranianos também -, eles foram às olimpíadas de 1980, lembravam-se do Misha e me falavam muito. Ai me lembrei do Misha e falei: vou fazer sobre esta olimpíada. O Ugo Giorgetti fez um filme em que ele diz que a olimpíada do México, em 1968, foi a última olimpíada livre, eu digo esta foi a última olimpíada popular, onde você ver, por exemplo, grandes espetáculos de massa onde a população estava toda envolvida. Então você tem o Misha chorando, por exemplo, que hoje seria uma grande bobagem, qualquer garoto que saiba manipular um computador faz, os caras fizeram com placas lá toda uma coreográfica humana pra desenhar coisas. Outra coisa que chama a atenção de quem participou desta olimpíada é o atleta que sobe para ascender a pira olímpica – porque tinha aquela multidão no estádio e ninguém entendia como ele iria ascender aquele negócio lá no alto -, ele se dirige pra multidão, que esta com placas brancas e as colocam na cabeça e ele passa por este caminho. É uma coisa linda, linda, linda. Já é uma olimpíada que caminha para o profissionalismo, mas não é uma olimpíada completamente profissional.

E a questão do boicote imposto pelos Estados Unidos?

Os russos deram de tudo para fazer daquilo ali uma bela festa. Fizeram um negócio impecável e, os americanos viram que os russos teriam uma imagem no mundo inteiro, aí inventaram um pretexto para não ir às olimpíadas. Politizaram a questão e usaram como pretexto a invasão que a União Soviética tinha feito um ano antes no Afeganistão. Os americanos, que são mestres em invadir países, nesse momento ficaram com o direito de autodeterminação dos povos e boicotaram a olimpíada dos soviéticos, 70 países acompanharam os americanos e não foram a olimpíada, 14 países foram, mas sem usar as bandeiras nacionais, foram com a bandeira do Comitê Olímpico Internacional (COI). Tanto é que um atleta italiano ganhou a medalha de ouro e na premiação sobe a bandeira e o hino do COI, ele não estava ali pela Itália, ele estava ali pelo esporte. Foi a maior burrada que os americanos já fizeram na história, porque todo o mundo assistiu as olimpíadas, inclusive aqui no Brasil. O bloco do leste conquistou grande parte das medalhas e as olimpíadas foram um grande sucesso. O Brasil, que era uma ditadura militar, teve esse bom senso e não caiu nessa roubada de boicote, ao contrário, se aproveitou dos Jogos para poder participar de modalidades onde, por exemplo, estaria desclassificado. No basquete foi assim, Porto Rico desistiu pois era um satélite americano, dando vaga ao Brasil e foi nessa olimpíada que o Oscar estreou e é um dos atletas que mais tem olimpíadas nas costas. Pro Brasil foi muito importante, pois ganhou duas medalhas de ouro na vela, ganhou o bronze com o revezamento na natação e foi nessa olimpíada que nasceu a seleção de prata do vôlei. Então esta olimpíada tem muitas histórias interessantes.

Quem você vai ouvir para que esta história seja contada?

Eu já ouvi dezenas de atletas que estiveram lá, já ouvi o quarteto da natação, os dois velejadores que ganharam o ouro, eu ouvi Bernardinho, Renan, Montanaro. Eu ouvi gente de vários esportes e ouvi alguns jornalistas que cobriram as olimpíadas como o Edgar Alves da Folha e o Milton Temer, que estava pelo O Globo.

Oswaldo Simões
Nelson
Cyro Delgado
Luiz Virgílio de Castro Moura
Marcus Mattioli
Bernardinho
Milton Temer
Marcus Mattioli
Set de Filmagem

Quase todas as produções contempladas pelo Edital falam de algum atleta ou modalidade. Como vai ser contar a história de uma edição dos Jogos em um curta de 26 minutos?

As frases mais importantes da história da humanidade levam bem menos de um minuto para serem ditas, então 26 minutos na televisão é um longa-metragem. Ao mesmo tempo em que o cinema está optando por produções muito longas na televisão você tem formatos muito curtos, você tem 13, 26 e 52 minutos, acima disso passa a ser uma série ou um super especial.  Então eu acho que em 26 minutos da para você contar com tranquilidade, profundidade e clareza a história de uma olimpíada. Eu não estou fazendo nada de mais, acho que eu estou sabendo usar o tempo em forma de síntese, ao contrário de contar longas histórias eu vou usar frases curtas das pessoas que definem. Tem coisas pequenas que as pessoas vão contando que são sensacionais.

E como entra a questão da política e do boicote no filme?

Na verdade eu não tenho muita preocupação de fazer deste filme uma peça de proselitismo político, eu não faço isso, eu faço cinema histórico com viés político. Quando eu faço proselitismo eu faço com outras tonalidades. O meu trabalho como cineasta e como documentarista é contar a história, se você quer encontrar um viés politico nisso, vai encontrar no boicote. Boicotar uma olimpíada, que é uma coisa do esporte, por uma razão política que é completamente artificial – porque os Estados Unidos nunca deixaram de invadir países eles tinham acabado de deixar o Vietnã e logo em seguida iriam invadir Granada.

Nem mesmo nas entrevistas se tocou no assunto?

Você tem depoimentos de todas as vertentes, mas não se fala em política nesse filme, não se politiza muito a questão. Contam-se histórias das emoções dos que ganharam medalhas, da emoção também dos que perderam, da participação, de você ir ao refeitório e comer ao lado do teu ídolo. Tudo isso estará no filme.

Como você enxerga as produções do Memoria, incluindo a sua, nesse contexto de olimpíada com que vivemos hoje?

Eu não relaciono com esta olimpíada, eu sei que esta olimpíada aqui no Brasil é o pretexto e a alavanca pra esta série ser feita, mas eu acho essa série muito mais importante que isto, porque informa e conscientiza. Ela resgata do silêncio atletas que foram fundamentais para o Brasil de gente que lutou. Este sentimento pelo esporte é que eu acho mais importante, é o que eu quero passar no “O Brasil na terra de Misha” e acho que os atletas que eu vejo ali, que estão sendo homenageados pelos meus colegas, vão resgatar esta memória.

Diretor Silvio Tendler

Ficha técnica:

Documentário: O Brasil na terra do Misha

Produtora: Caliban Produções Cinematográficas

Diretor: Silvio Tendler

Sinopse: O Brasil na Terra do Misha trará ao espectador um momento olímpico brasileiro nem tanto lembrado no Brasil – exceto pelas lágrimas de Misha para encerrar a festa, marcando já a saudade que as Olimpíadas de Moscou deixavam, mas de destacada relevância para diversos esportes nacionais; um episódio-chave para a compreensão das transformações que se seguiram no mundo e na reafirmação dos ideias olímpicos como uma das possibilidades de congraçamento entre os povos.

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