Lina Chamie

A cineasta Lina Chamie participou, na tarde desta quarta-feira (30/11), do I Encontro Temático Esporte, Cultura e Memória. Após sua mesa, que contou também com a participação do jornalista Marcelo Gomes, da ESPN Brasil, ela nos deu uma breve entrevista sobre sua participação na Comissão de Seleção do edital Memória do Esporte Olímpico Brasileiro e a importância do registro do esporte. Confira os principais trechos:

Como foi participar da Comissão de Seleção do edital?

Este é um edital muito importante porque é focado num assunto. E é um foco necessário porque resgata a memória do esporte olímpico. É um edital muito único e necessário. É uma chance bacana de começar a construir, a ter acesso a uma história. Resgatar a memória que faz parte da nossa história e fica muito negligenciada. O esporte olímpico, por uma série de razões, a não ser no momento que está em pauta, não é um assunto que está tão presente. E nós padecemos – e essa é uma questão cultural nossa – da falta de memória. Este é um edital que supre um pouco essa falta. Essa não preservação da memória leva ao esquecimento, que às vezes é um esquecimento da nossa própria história. A história existe.

Os filmes escolhidos contemplam essa proposta do resgate da história olímpica?

Acho que sim. O processo de seleção foi muito elaborado. Foi pensado etapa a etapa, dando chance para uma curadoria mais consciente. Lemos os projetos sem saber quem eram os autores e lemos os currículos das produtoras e diretores sem relacioná-los aos projetos. Houve uma pontuação e também levamos em consideração a subjetividade, a pertinência histórica, os personagens e a distribuição das modalidades. Ao mesmo tempo, não nos focamos em nenhum desses pontos especificamente, mantendo uma dimensão ampla. O processo procurou abranger todos os olhares, análises, curadores. E saíram projetos interessantes. Tivemos um roteirista e uma cineasta e também um homem do esporte, o José Trajano. Fizemos discussões muito pertinentes sobre forma e conteúdo. Enfim, foi muito legal. Mas vale uma ressalva: 9 projetos não dão conta da memória do esporte olímpico, que é a meta. É preciso pensar esse edital a longo prazo.

Você fez um curta sobre a São Silvestre e está fazendo um filme sobre o centenário do Santos. Como é filmar esporte para você?

Para mim, filmar é sempre buscar um viés, algo que vibre, que fale com as pessoas, que comunique e também transcenda o seu ponto de partida. No que diz respeito à memória, existe uma linguagem que é tão específica, tão restrita a um tipo de assunto, você pode ir por um caminho de um especialista ou só da compilação de fatos, o que acaba fechando. E pensando o filme como um objeto de comunicação, seja para televisão, seja para o cinema, como o do centenário do Santos ou sobre o corredor da São Silvestre, é preciso refletir sobre qual é o ponto nevrálgico que conversa com mais gente, onde é que as pessoas entendem aquilo. Ou seja, onde é que você consegue falar com mais pessoas para além da questão do esporte, da memória ou do documento. É interessante buscar esse viés. E eu acho que, no esporte, o denominador comum é a emoção do atleta, seja qual for.

Na São Silvestre você não entrevistou os atletas de elite. Como foi esse foco?

A proposta era estar perto e procurar desvendar, se aproximar da emoção das pessoas em geral, e não unicamente do atleta de elite, do cara que pode ganhar. É se perguntar o que significa correr e isso vale não só para o corredor de elite mas para aquele que veio de Maceió, ficou 3 dias chacoalhando num ônibus e acha que vai ganhar. Tem um momento ali em que todos são seres humanos e o que os move é o desejo de superação, que é uma coisa mágica no ser humano. Essa faísca pode ser comum a todos e o esporte tem isso em primeiro plano. Seja para o atleta de alto rendimento ou aquele que vem correr a São Silvestre. E a São Silvestre é muito democrática, ela é uma passagem. É o Ano Novo e isso também pode ser reduzido ao íntimo: a cada passo que você dá, algo fica para trás. E a cada passo que você dá algo novo surge. Ela é uma busca de avançar no tempo, para dentro de si mesmo. O esporte tem isso, às vezes de maneira mais objetiva.

Esse filme era um estudo, mas acabou sendo também o registro de um trajeto histórico, que é a chegada na Av. Paulista, algo que não vai ocorrer esse ano. Lembrando que já tivemos uma mudança na São Silvestre que é o horário, ela acontecia à meia-noite, então essa questão da passagem do ano estava muito mais presente, impregnada.

Mas ainda está: o ano novo de quem corre a São Silvestre é aquela chegada. Ali ele renovou, passou, venceu. A chegada na Paulista também tinha o aspecto da urbanidade. Era o momento em que a cidade se curvava ao ser humano, em que a grande metrópole passava a ser um espaço coletivo. Há uma apropriação das pessoas de um espaço que normalmente é muito bruto e que – sem querer fazer um trocadilho – atropela as pessoas. E av. Paulista é emblemática nesse sentido. Era uma chegada importante. E o meu filme acabou sendo um registro da corrida como ela era.

E como foi filmar a história dos Santos?

É um filme que conta os 100 anos do clube, então tem muita história, informação, muitos títulos. E é preciso dar conta desse aspecto, mas também ter presente o torcedor. O torcedor é um pouco o narrador do filme. Ele tem a dimensão emocional dessa história. É o que ela significa, e não apenas o dado sobre o título. E o futebol tem a paixão muito forte. Talvez seja o esporte mais catártico, de mais apelo coletivo que temos no Brasil. Esse é o país de chuteiras. Então eu achei muito importante ter o viés do torcedor, do que significa essa história. Tem uma frase bonita de um dos meus entrevistados que é  “o futebol é um tipo de pátria”. E para o torcedor é mesmo. É um pouco da sua história, do seu contexto, tem etapas da sua vida que são marcadas por conquistas ou derrotas do seu time e isso faz parte de quem você é. Eu tentei ir pelo caminho da emoção, de ter a história, mas também ter o significado dela.

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