Por Hélio Alcântara,

Se em Atlanta 1996 a preocupação maior era com a comercialização dos Jogos, Sydney 2000 podem ser considerados os primeiros “jogos ecológicos” da história olímpica. A preocupação com a questão ambiental era evidente. E se manifestou não apenas na teoria (propaganda), mas também na prática: o Greenpeace (grupo ecológico internacional mais famoso do planeta), por exemplo, acompanhou toda a preparação da Olimpíada. O governo municipal de Sydney realizou uma obra invejável, especialmente para nós, brasileiros, que nos acostumamos a destruir os nossos rios: recuperou totalmente a baía de Homebush, conhecida pejorativamente como “o maior esgoto da Austrália”. Homebush transformou-se em parque natural.

Outras medidas concretas que mereceram aplausos: a Vila Olímpica, com oitocentas casas, e o Estádio Olímpico foram abastecidos com energia solar; os móveis das casas foram construídos com madeira reciclada; metade da água utilizada na Vila vinha da captação da chuva ou do tratamento de esgoto; e quatro milhões de árvores foram plantadas em todo o país durante a realização dos Jogos Olímpicos.

Outra marca dos Jogos de  Sydney-2000 são os recordes variados: número de atletas (10.651), mulheres (4.069), países (199), jornalistas e voluntários participantes, além do número de esportes, medalhas, direitos de TV e espectadores. O único senão foi o fuso-horário. Estando “do outro lado do mundo”, para nós, a maioria das provas era realizada quando estávamos dormindo ou acordando. Os americanos, por exemplo, não viram nenhuma prova ao vivo. Nesse caso, também porque a detentora dos direitos de transmissão (NBC) decidiu não fazê-lo.

Sydney-2000 recebeu os mais de dez mil atletas, que disputaram um total de trezentas competições. A cidade era simplesmente perfeita para essa grandeza: linda, limpa, impecavelmente organizada e com uma história bonita de se contar. Na cerimônia de abertura, por exemplo, dançarinos aborígenes (indígenas de pele escura e primeiros habitantes da Austrália) comoveram milhões de pessoas em todo o planeta com suas evoluções. Entre as atletas (todas campeãs olímpicas australianas) que carregaram a tocha, estavam Dawn Fraser, Betty Cuthbert e Shirley Strickland-de la Hunty. Cathy Freeman, atleta de origem aborígene, foi a última a carregá-la. E acendeu a pira.

A cerimônia de abertura apresentou dois momentos singulares: o desfile das delegações das duas Coreias, unidas sob uma mesma bandeira – ainda que isso representasse apenas uma trégua na relação belicosa entre os dois países –, e o desfile dos atletas do Timor Leste, nação recém-desligada da Indonésia, sob a bandeira olímpica.

O COI-Comitê Olímpico Internacional decidiu enfrentar o doping sem grandes receios. E excluiu a romena Andreea Raducan, que havia conquistado a medalha de ouro na prova individual geral de Ginástica Artística. Raducan ingeriu remédios com substâncias proibidas dados pelo médico da equipe romena.

A atleta americana Marion Jones ganhou cinco medalhas (três de ouro e duas de bronze), em Sydney, e virou heroína. Mas a máscara desabou sete anos depois, quando terminaram as investigações sobre o doping, envolvendo o laboratório Balco, e descobriu-se que ela havia atuado dopada em todas as provas de que participou. Perdeu as cinco medalhas.

OS DESTAQUES

A Grã-Bretanha teve um desempenho inédito em Olimpíadas, ao ganhar 11 (onze) medalhas de ouro – isso não ocorria desde 1920. Uma dessas medalhas foi conquistada de modo sofrido, com Denise Lewis.

Lewis, que havia levado a medalha de bronze no Heptatlo, em Atlanta-96, encontrava-se em terceiro lugar ao final do 1º dia de disputas, em Sydney. Depois do Salto em Distância e do Lançamento de Dardo, ela assumiu a primeira colocação. Na última prova (800m), Lewis perfilou-se junto às suas adversárias. O que poucos sabiam é que ela havia sofrido uma lesão no tendão de Aquiles, o que provocava dores muito fortes. Mesmo assim, a britânica venceu a prova e ficou com a medalha de ouro.

“O inglês Steve Redgrave tornou-se o primeiro remador e o quarto homem a conquistar cinco medalhas de ouro em cinco edições seguidas dos Jogos”, competindo em um barco quatro sem, como atesta o “Alamanaque Olímpico”, da dupla Armando Freitas e Marcelo Barreto.

Quem também brilhou em Sydney foi Derartu Tulu – primeira atleta da Etiópia a ganhar uma medalha de ouro olímpica (10 mil metros, em Barcelona-92). Em Atlanta-96, contundida, Tulu conseguiu o quarto lugar. E, em Sydney, em perfeitas condições físicas e atléticas, esperava repetir o ouro de oito anos antes. Sua principal adversária nos 10 mil metros chamava-se Paula Radcliffe, da Grã-Bretanha, que largou maravilhosamente bem e liderou as primeiras vinte voltas da prova. Mas, a exemplo do que ocorrera em Barcelona-92, nas últimas voltas Tulu imprimiu um ritmo alucinante e deixou Radcliffe para trás. Cruzou a linha em 1º lugar, cinco segundos à frente da 2ª colocada (Gete Wami, companheira de equipe de Tulu) e estabeleceu novo recorde olímpico (30’17”49-trinta minutos, dezessete segundos, quarenta e nove centésimos). Radcliffe terminou a prova em um “melancólico” 4º lugar.

Essa vitória transformou Tulu na única mulher a vencer duas medalhas de ouro em distâncias acima de 1.500m e em uma das cinco maiores atletas da Etiópia (incluindo homens).

Outro fenômeno feminino chama-se Cathy Freeman. Aborígene, Freeman acendeu a pira olímpica e correu os 400m pressionada. Imprensa e público, principalmente o australiano, “exigiam” sua vitória na prova. E Freeman confirmou o favoritismo, cruzando a linha de chegada em 1º, com o tempo de 49”11 (quarenta e nove segundos, onze centésimos). Freeman foi usada politicamente, com sua vitória “simbolizando” o “fim dos conflitos” entre indígenas e brancos. De qualquer maneira, após a prova, ela foi ovacionada pelo estádio lotado.

Entre as atletas americanas, Dara Torres reinou na Natação. Conquistou duas medalhas de ouro (Revezamentos 4x100m medley e livre) e três de bronze (50m livre, 100m livre e 100m borboleta). Torres estava com 33 anos em 2000.

Entre os homens, o australiano Ian Thorpe (chamado de “torpedo”) foi o responsável por um sorriso irônico de contentamento por parte da torcida da casa. Thorpe, com 17 anos e 1,96m de altura, era a esperança de pelo menos duas medalhas de ouro nos Jogos. No primeiro dia de provas, ele ganhou os 400m livre, quebrando o recorde mundial, que era dele. Uma hora mais tarde, estava alinhado para disputar o Revezamento 4x100m nado livre. Antes da prova, o americano Gary Hall Jr. havia feito uma provocação. Disse à imprensa mundial que os americanos esmagariam os australianos “como se faz com as guitarras”. E a equipe de Thorpe venceu, mais uma vez. E, finalmente, no Revezamento 4x200m, o “torpedo” liderou a equipe rumo à medalha de ouro.

Além dessas medalhas, Thorpe conquistou duas de prata: no Revezamento 4x100m medley e nos 200m livre – aliás, esta foi a única “surpresa”, ao ser derrotado pelo holandês Pieter van den Hoogenband. De resto, o australiano e sua “roupa de pele de tubarão” foram a grande sensação da piscina nos Jogos de Sydney-2000.

No Atletismo, o etíope Haile Gebrselassie e Paul Tergat (Quênia) travaram um dos duelos mais emocionantes de todos os tempos nos 10 mil metros. Em Atlanta-96, Tergat havia sido derrotado. Agora, quatro anos depois, não admitia nova derrota. Faltando apenas alguns metros para o término da prova, o queniano liderava e o ritmo era forte – nada indicava que Gebrselassie teria forças para ultrapassá-lo. Mas o etíope o fez pouco antes de cruzarem a linha de chegada, com um sprint absolutamente espetacular. Ouro para Gebraelassie, prata para Tergat. De novo. Essa vitória colocou o atleta etíope ao lado do tcheco Emil Zatopek e do finlandês Lasse Viren como os únicos homens a conquistarem títulos consecutivos nos 10 mil metros.

Maurice Green deixou sua marca em Sydney-2000. O atleta americano era o recordista mundial dos 100m na época (09”79) e grande favorito para vencer a prova. E o fez, sem grandes problemas. De quebra, ganhou a medalha de ouro no Revezamento 4x100m.

E, afinal, dois grandes atletas europeus: o polonês Robert Korzeniowski foi o primeiro homem a conquistar a medalha de ouro nas duas provas de Marcha Atlética (20km e 50km). E o britânico Jonathan Edwards (na época, recordista mundial do Salto Triplo, com 18,29m) levou o ouro na prova em que os brasileiros se destacaram durante várias olimpíadas, transformando-se no primeiro atleta britânico a ganhar a prova desde Londres-1908.

BRASIL

Pela primeira vez desde os Jogos de Montreal-1976, o Brasil ficou sem medalha de ouro em uma Olimpíada. Ao mesmo tempo – e, talvez, funcionando como uma espécie de consolo –, Sydney-2000 foi a segunda melhor campanha brasileira na história, com um total de 12 medalhas: seis de prata e seis de bronze. Em Atlanta-1996, foram 15. Mas, o gosto foi mesmo de decepção, pois ao chegar a Sydney, a “bagagem” brasileira ostentava sete campeões mundiais ou líderes de ranking mundial.

Uma imagem que talvez traduza o desempenho brasileiro em Sydney-2000 é o refugo do cavalo “Baloubet du  Rouet”, montado por Rodrigo Pessoa, na competição de saltos. Baloubet simplesmente ficou paralisado diante de um obstáculo – o que nunca ocorrera.

Ganhamos medalhas nos esportes com os quais nos acostumamos a ver atletas brasileiros no pódio: Judô, Vela, Atletismo, Natação, Vôlei. E tivemos ótimas surpresas, com o Basquete Feminino e o Futebol Feminino – este, em 4º lugar.

O Judô e a Vela brasileiros vinham conquistando medalhas desde os Jogos do México-68. Em Sydney, Carlos Honorato (peso médio) e Tiago Camilo (leve) ganharam a prata. Robert Scheidt ficou com a prata, ao sofrer um “nó tático” do inglês Ben Ainslie (ouro) na classe “Laser”, e a dupla Torben Grael-Marcelo Ferreira com a medalha de bronze (3º lugar na classe “Star”). Com essa conquista, Torben Grael tornou-se o atleta brasileiro com maior número de medalhas (ao lado do nadador Gustavo Borges): quatro. Aliás, Gustavo Borges ganhou medalha de bronze no Revezamento 4x100m livre.

No Atletismo, a equipe brasileira conquistou a medalha de prata no Revezamento 4x100m rasos. O quarteto era formado por Vicente Lenilson, Edson Luciano, André Domingos e Claudinei Quirino, e só foi superado pelos americanos.

No Hipismo, mais uma medalha de bronze. A equipe brasileira de saltos era formada por Álvaro Affonso de Miranda Neto (Doda), André Johannpeter, Luiz Felipe de Azevedo e Rodrigo Pessoa. Se não fosse o refugo do cavalo “Baloubet”, a medalha poderia ter sido de ouro.

O Basquete Feminino, já sem Hortência e Paula, mas ainda com Janete, também ficou com a medalha de bronze. E o Vôlei Feminino mais uma vez foi derrotado pelas cubanas, eternas rivais da geração de Fernanda Venturini e Ana Moser, na semifinal. Mas, a seleção brasileira teve forças para disputar a medalha de bronze e bater as americanas, por 3×0 (25/18, 25/22 e 25/21), devolvendo a derrota (e a perda do bronze) sofrida em Barcelona-92.

O Futebol Feminino, mais uma vez, estava entregue à própria sorte. E, mais uma vez, provou ser uma das grandes possibilidades de conquista de medalha. Enfrentou seleções poderosas, que contavam com grande estrutura em seus países, e acabou em 4º lugar, única e exclusivamente por causa da fibra e da qualidade técnica das garotas brasileiras. A Noruega disputou o título com os EUA e ficou com a medalha de ouro. A Alemanha bateu o Brasil por 2×0 e ganhou o bronze.

Mas, o desempenho vergonhoso se deu no Futebol Masculino, com os milionários jogadores da Seleção. O time treinado por Vanderlei Luxemburgo, que na época estava às voltas com denúncias de falcatruas extra-futebol, perdeu para Camarões nas quartas de final. Aliás, perdeu de modo inacreditável. Diante de uma equipe que contava apenas com nove jogadores (dois já haviam sido expulsos), conseguiu ser eliminada na prorrogação, em um ataque fulminante dos africanos que culminou com o chamado “gol de ouro” ou “morte súbita”: 2×1. Ficou longe de qualquer medalha.

Alguns atletas brasileiros não conquistaram medalhas, mas, ao contrário dos jogadores de futebol, merecem registro positivo: a ginasta Daniele Hypolito, por exemplo, ficou em 20º lugar na classificação geral individual, a melhor colocação do país em Jogos Olímpicos.

Na Natação, Rogério Romero foi o único brasileiro a disputar uma final individual (200m costas), e Gustavo Kuerten, o “Guga” tricampeão de Roland Garros foi derrotado pelo russo Yevgeny Kafelnikov, nas quartas-de-final. Kafelnikov acabaria com a medalha de ouro.

Quando: 15/09/2000 a 1º/10/2000

Países participantes: 199

Total de atletas: 10.651 (masculino: 6.582, feminino: 4.069)

Total de modalidades: 28

Total de medalhas distribuídas: 927

Participação do Brasil: 52º lugar

MEDALHAS BRASILEIRAS

Modalidade: Atletismo

Prova: Revezamento 4x100m masculino

Atleta: André Domingos, Claudinei Quirino, Edson Luciano Ribeiro, Vicente Lenilson

Resultado: Medalha de prata

Modalidade: Judô

Prova: Leve masculino

Atleta: Tiago Camilo

Resultado: Medalha de prata

Modalidade: Judô

Prova: Médio masculino

Atleta: Carlos Honorato

Resultado: Medalha de prata

Modalidade: Vela

Prova: Laser masculino

Atleta: Robert Scheidt

Resultado: Medalha de prata

Modalidade: Vôlei de praia

Prova: Feminino

Atletas: Adriana Behar, Shelda

Resultado: Medalha de prata

Modalidade: Vôlei de praia

Prova: Masculino

Atleta: Ricardo, Zé Marco

Resultado: Medalha de prata

Modalidade: Basquete

Prova: Feminino

Atletas: Adriana Aparecida Santos, Adriana Pinto, Alessandra Oliveira, Cíntia Santos, Claudia Neves, Helen Cristina Luz, Ilisaine Karen David, Janeth Arcain, Kelly Santos, Lilian Cristina Gonçalves, Marta Sobral, Silvia Luz.

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Hipismo

Prova: Saltos por equipe

Atletas: Alvaro Affonso de Miranda Neto (Doda), André Johannpeter, Luiz Felipe Azevedo, Rodrigo Pessoa

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Natação

Prova: Revezamento 4x100m livre masculino

Atletas: Carlos Jayme, Edvaldo Valério, Fernando Scherer (Xuxa), Gustavo Borges

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Vela

Prova: Star

Atletas: Marcelo Ferreira, Torben Grael

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Vôlei de praia

Prova: Feminino

Atletas Adriana Samuel, Sandra Pires

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Voleibol

Prova: Feminino

Atletas: Elisângela Oliveira, Érika Kelly Pereira Coimbra (Kiki), Hélia Rogério de Souza (Fofão), Janina Déia Chagas da Conceição, Karin Rodrigues, Kátia Andreia Caldeira Lopes, Kely Kolasco Fraga, Leila Gomes de Barros, Raquel Peluci Xavier da Silva, Ricarda Raquel Barbosa Lima, Virna Cristine Dantas Dias, Walewska Moreira de Oliveira

Resultado: Medalha de bronze

 

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