Por Hélio Alcântara,
Entre Seul 1988 e Barcelona 1992 o mundo mudou muito. E uma das grandes mudanças se deu no esfacelamento da União Soviética. A queda do muro de Berlim, que dividia a Alemanha em oriental e ocidental, em 1989, foi o maior símbolo desse novo desenho geopolítico. Com o desmoronamento da URSS, quinze países reapareceram – doze deles desfilaram em Barcelona sob o nome “Comunidade dos Estados Independentes” (CEI). No pódio, porém, os atletas-medalhistas puderam ver as bandeiras dos seus próprios países içadas no mastro. Estônia, Letônia e Lituânia experimentaram o prazer de enviar suas próprias equipes. Albânia, Cuba, Coreia do Norte e Etiópia retornaram às olimpíadas – por motivos diversos.
Outra alteração importante foi o término formal da política sul-africana do “apartheid”, após 32 anos, fato que levou a África do Sul de volta aos Jogos Olímpicos.
O planeta viu também com apreensão o início de uma guerra civil sangrenta na Iugoslávia. Em 1990, o país se desmembrou e surgiram Croácia, Bósnia-Herzegovina e Eslovênia. A Iugoslávia foi punida pela ONU (Organização das Nações Unidas), pela agressão militar à Croácia e à Bósnia, ficando proibida de participar das competições por equipes – mas seus atletas integraram a CEI, o país que não existia.
Barcelona 1992 teve um significado especial para a chamada “comunidade olímpica”. Foi a primeira vez, desde os Jogos de Munique 1972, em que todos os comitês olímpicos nacionais estiveram presentes. No dia da abertura, em 25 de julho, no Estádio Olímpico de Montjuic, diante de 56 mil espectadores, 9.356 atletas (2.704 mulheres) desfilaram, representando 169 nações. Até o dia 09 de agosto disputariam 28 modalidades esportivas.
O momento “mágico” durante a cerimônia de abertura aconteceu quando o arqueiro paraolímpico espanhol Antonio Rebollo lançou uma flecha na direção da pira olímpica. A flecha passou “longe” do alvo, mas um efeito especial acendeu a pira, dando a nítida sensação de que ela fora acesa pela flecha lançada por Rebollo.
PLANEJAMENTO E MARKETING ESPORTIVO
Barcelona, cidade do presidente do COI, Juan Samaranch, se preparou muito bem para receber os Jogos. E o fez com bastante antecedência. Em 1981, os barcelonistas começaram a fazer obras estruturais na cidade (construção de estradas, despoluição de águas, avanço no sistema de telecomunicações, etc.), para tentar ganhar a candidatura, o que de fato ocorreu em 1986. E, a partir daí, se concentraram nas edificações voltadas para os Jogos. Para se ter uma ideia de como a parceria público-privada funcionou, das quarenta e três instalações utilizadas nos Jogos-92, apenas quinze foram construídas. As demais sofreram reformas, como a do estádio Olímpico (construído originalmente em 1929).
Na trilha para transformar os Jogos Olímpicos em uma grande festa comercial (lucrativa, naturalmente), o mascote “Cobi” foi utilizado antes e durante o evento de maneira bem-sucedida. “Cobi” foi protagonista, por exemplo, de inúmeras peças publicitárias de empresas gigantes, como Coca-Cola e Danone. “Ganhou” também um programa de televisão (“Cobi e sua Turma”) e vivia estampado em todo tipo de souvenirs. Como parte da ação agressiva de marketing, um “Cobi” imenso inflável foi amarrado ao cais do Porto Olímpico, ajudando a torná-lo um dos mascotes mais populares e rentáveis da história das Olimpíadas. Juan Samaranch começava a liderar um esquema bem-sucedido de captação de recursos através de vários tentáculos – a exemplo do que já vinha fazendo seu colega João Havelange, à frente da FIFA desde 1974.
OS DESTAQUES ESPORTIVOS
O bielo-russo Vitaly Scherbo conquistou nada menos do que seis medalhas de ouro na Ginástica. Mas disputou os Jogos sob a bandeira da CEI-Comunidade dos Estados Independentes, o país que não existia.
A americana Jenny Thompson ganhou duas medalhas de ouro (revezamentos 4x100m livre e 4x100m medley) e uma de prata (100m livre) na Natação. Thompson (terceira melhor nadadora olímpica da história) disputaria ainda três olimpíadas e conquistaria um total de 12 medalhas – mas, curiosamente, nenhuma delas em uma prova individual.
A Nigéria ensaiou o que viria a ser a apoteose nos Jogos seguintes: na prova de revezamento 4x100m do Atletismo, os homens levaram a prata, e as mulheres conquistaram o bronze.
A francesa nascida em Guadalupe, Marie-José Pérec, ganhou a primeira das três medalhas de ouro olímpicas que conquistaria nessa e na edição seguinte dos Jogos (Atlanta): chegou em 1º lugar na prova dos 400m de Atletismo.
Mas o momento mais dramático em termos de competição talvez tenha sido a prova dos 10 mil m feminino. A sul-africana Elana Meyer liderou nos primeiros seis mil metros, deixando para trás a atleta favorita na prova, Liz McColgan (Grã-Bretanha). Mas quando faltavam oito voltas, Meyer olhou para trás e foi surpreendida pela visão inesperada de uma atleta da Etiópia a dois metros dela. Silenciosa e ardilosamente, Derartu Tutu manteve-se um passo atrás de Meyer até a última volta, quando então iniciou o sprint. Meyer não teve forças para resistir ao ataque e acabou ficando com a medalha de prata. Tutu conquistou o ouro, transformando-se na primeira mulher negra africana a conquistar uma medalha olímpica. Ao se cumprimentarem, ambas foram ovacionadas pelo público presente ao estádio e acabaram dando a volta olímpica juntas. Tutu era negra; Meyer, branca, e a África do Sul estava de volta à comunidade esportiva internacional após o fim do “apartheid”.
Uma das imagens marcantes dos Jogos de Barcelona 1992 foi a chegada do atleta britânico Derek Redmond na prova dos 400m. Redmond havia conquistado a medalha de ouro no Campeonato Europeu, nos “Jogos da Commonwealth” (Jogos da Comunidade Britânica) e no Mundial. Chegava a Barcelona, portanto, como grande favorito para vencer a prova. Mas, na metade da semifinal, Redmond sofreu uma contusão muscular, obrigando-o a interromper o ritmo. Decidido a cruzar a linha de chegada, ainda que cheio de dor e aos prantos, Redmond recebeu a ajuda do pai, que estava assistindo à prova na arquibancada. Apoiado no ombro do pai, Redmond caminhou até cruzar a linha. Pai e filho foram ovacionados pelo estádio. Dois anos depois, Redmond fez uma cirurgia no tendão “de Aquiles” e encerrou a carreira.
O Basquete americano finalmente acordara do cochilo. Aproveitou a mudança na regra olímpica (permitindo a participação de atletas profissionais) e levou para Barcelona aquele que ficou conhecido como “Dream Team” (Time dos Sonhos). Entre os integrantes da equipe havia pelo menos três “monstros sagrados”: Larry Bird, Magic Johnson e Michael Jordan. Se olhassem para o lado, veriam Scottie Pippen, John Stockton, Karl Malone, Patrick Ewing, David Robinson, Clyde Drexler e Charles Barkley. Um assombro.
Foi a primeira vez na história dos Jogos Olímpicos que uma equipe de basquete venceu todas as partidas com placar acima de 100 pontos e apresentou uma média de mais de 43 pontos de diferença sobre os adversários no placar – superando a equipe americana dos Jogos de Roma-60. Na final, os americanos derrotaram a Croácia, por 117x 85 – em outras palavras, 32 pontos de diferença.
Além da vitória em quadra, o time americano trazia um ingrediente importante e fundamental na luta para se conhecer melhor a AIDS, doença que vinha abalando o planeta por sua agressividade e imprevisibilidade desde o início da década de 1980. Magic Johnson, que havia contraído o vírus da AIDS, anunciou sua retirada do esporte, em novembro de 1991. Todos, incluindo os médicos, esperavam pela morte de Johnson em poucos meses. Mas, ele não só voltou ao basquete para fazer o que mais gostava, como continua vivo até hoje. Pouco tempo depois dos Jogos de Barcelona, Johnson disse que sua convocação para disputar os Jogos havia funcionado como uma espécie de salva-vidas.
BRASIL
A medalha de ouro mais improvável para o Brasil foi a que determinou o início de uma trajetória de conquistas em todas as olimpíadas: a do vôlei masculino. Depois de Barcelona 1992, o vôlei brasileiro (seja masculino ou feminino) sempre retornaria ao país com uma medalha no peito.
O time masculino em Barcelona, comandado por Zé Roberto Guimarães, era formado por jogadores muito jovens, que tinham a missão ingrata de substituir a “geração de prata” de Montanaro, Renan, William e Bernard. Os titulares eram Tande, Marcelo Negrão, Maurício, Giovane, Carlão e Paulão. Talentosos, mas inexperientes em olimpíadas. No banco, André, Amauri, Douglas, Janelson, Jorge Édson e Talmo. Entraram sem pressão e jogaram o que sabiam, com enorme prazer. O resultado foi uma campanha avassaladora, com oito vitórias em oito jogos e apenas três sets perdidos. Na final, atropelaram a Holanda, por 3×0 (15/12, 15/8 e 15/5). De quebra, o levantador Maurício foi eleito “o melhor jogador do torneio”.
A medalha de ouro do vôlei masculino foi a primeira do Brasil em esportes coletivos. Contribuiu também para o fim de um jejum: fazia oito anos que o país não subia mais de uma vez ao lugar mais alto do pódio em uma mesma edição dos Jogos.
A comemoração foi inédita em olimpíadas – vários jogadores saíram correndo da quadra para abraçar os torcedores-familiares nas arquibancadas do ginásio. Ao retornar, fizeram uma “montanha de gente” eufórica em plena quadra, para espanto dos espectadores mais tranquilos.
O vôlei feminino também foi bem, mas não trouxe medalha. Na disputa pelo bronze, as brasileiras foram derrotadas pelas americanas, por 3×0. O time era formado por Leila, Fernanda Venturini, Ana Moser, Ana Flávia, Ida e Márcia Fu, que fizeram parte da geração que alavancaria o vôlei feminino brasileiro a uma posição de destaque no cenário mundial. As atletas voltaram de Barcelona com o 4º lugar. As cubanas (eternas rivais das brasileiras) foram as campeãs.
No judô, Rogério Sampaio triunfou com uma vitória dramática na categoria meio-leve. Bateu o húngaro Jozsef Csak na contagem de pontos e conquistou mais um ouro para o Brasil.
O nadador Gustavo Borges ficou muito perto da medalha de ouro. Nos 100m livre, Borges perdeu para o russo Aleksander Popov e ficou com a prata.
Essa medalha veio de forma sofrida. A prova foi disputada braçada a braçada por Popov, Borges e o francês Stephan Caron. Assim que os nadadores tocaram a borda, o nome do brasileiro não apareceu no placar eletrônico. O chefe da delegação brasileira, Coaracy Nunes, pulou a mureta da arquibancada e foi reclamar. O nome de Borges apareceu então na quinta colocação. Estava claro que a cronometragem eletrônica havia falhado, e Coaracy continuou argumentando. Os árbitros decidiram assistir ao videotape da prova e viram que Gustavo Borges havia tocado a borda da piscina logo em seguida ao toque de Popov: medalha de prata para a natação brasileira.
O Atletismo brasileiro, pela primeira vez, não ganhou medalha em Barcelona-92. As duas provas nas quais chegamos perto foram os 200m rasos, com Robson Caetano, e os 800m, com Zequinha Barbosa. Ambos terminaram em 4º lugar.
No cômputo final, o Brasil terminou em 25º lugar, com duas medalhas de ouro e uma de prata.
Quando: 25/07/1992 a 09/08/1992
Países Participantes: 169
Total de atletas: 9.356 (masculino: 6.652 feminino: 2.704)
Total de modalidades: 28
Total de medalhas distribuídas: 815
Participação do Brasil: 25º lugar
MEDALHAS BRASILEIRAS
Modalidade: Judô
Prova: Meio-leve masculino
Atleta: Rogério Sampaio
Resultado: Medalha de ouro
Modalidade: Voleibol
Prova: Masculino
Atletas: Alexandre Ramos Samuel (Tande) , Amauri Ribeiro, André Felipe Falbo Ferreira (Pampa), Antônio Carlos Aguillar Gouveia (Carlão), Douglas Chiarotti, Giovane Farinazzo Gavio, Janélson dos Santos Carvalho, Jorge Édson Souza de Brito, Marcelo Teles Negrão, Maurício Camargo Lima, Paulo André Juroski Silva (Paulão), Talmo Curto de Oliveira
Resultado: Medalha de ouro
Modalidade: Natação
Prova: 100m livre masculino
Atleta: Gustavo Borges
Resultado: Medalha de prata