Por Hélio Alcântara,

Os Jogos de Atlanta marcaram os cem anos dos Jogos Olímpicos da chamada “Era Moderna”. Pela importância, foram abertos pelo então presidente americano, Bill Clinton. E registraram um número impressionante de participantes: 10.318 atletas (3.512 mulheres), que representaram 197 comitês olímpicos filiados ao COI-Comitê Olímpico Internacional.

Por ser uma data simbólica, a comunidade olímpica internacional julgava ser direito inquestionável de Atenas sediar os Jogos, em 1996. A capital grega era não só o berço das olimpíadas, como também o berço da civilização. Credenciais não faltavam a Atenas, portanto. Mas, na eleição realizada em Tóquio, seis anos antes, os delegados do COI escolheram Atlanta. E a escolha gerou revolta e inúmeras acusações de suborno aos integrantes do COI-Comitê Olímpico Internacional. Além disso, o “espírito olímpico” foi substituído pelo “espírito comercial”.

Atlanta-96 apresentou alguns problemas sérios na organização. Como parte de sua cultura, os americanos sempre evitaram “precisar” de qualquer tipo de ajuda externa na realização dos eventos esportivos que sediaram/sediam. Mas, em 1996, eles exageraram e desrespeitaram inclusive algumas regras básicas dos acordos comerciais – fato considerado grave. Um exemplo gritante foi ter desconsiderado o acordo de que ambulantes vendendo produtos paralelos ligados aos Jogos não seriam permitidos. Pelas ruas de Atlanta eram vistos centenas de vendedores ambulantes oferecendo produtos e souvenirs com motivos relacionados aos Jogos de Atlanta, sem qualquer tipo de organização ou controle. Na cidade-sede da Coca-Cola, mandou quem tinha mais poder econômico.

Ao mesmo tempo, problemas de infra-estrutura mexeram com a cidade americana. O trânsito ficou absolutamente caótico durante os dezessete dias de competição, comprometendo a locomoção das delegações entre a Vila Olímpica e os locais das provas. O sistema de informações sobre as provas (como escalações, atletas inscritos e resultados das provas), via internet, anunciado como um salto tecnológico e condizente com a “modernidade” apregoada pela própria cidade de Atlanta, revelou-se lento e pouco ágil. E o  calor intenso naquela época do ano (verão) acabou contribuindo para que essa edição das Olimpíadas não fosse lá muito “tranquila”.

O ápice dessa intranquilidade se deu na madrugada de 27 de julho. Uma explosão, no Parque Olímpico Centennyal (centro da cidade, onde se realizava um show de música), deixou dois mortos e mais de 100 feridos, aumentando a indignação e as críticas que vinham sendo feitas à organização dos Jogos. A ira dos críticos tinha como base duas perguntas bastante incômodas para os organizadores: o que faziam o FBI (polícia federal americana) e 35 mil soldados, responsáveis pela segurança do evento, enquanto a bomba explodia? E para que serviu o montante de dinheiro investido naquela edição comemorativa do centenário da era moderna? Foram despejados cerca de 1 bilhão de dólares*, além de aproximadamente 500 milhões de dólares de verbas públicas, que “auxiliaram” na construção de estradas, ampliação do aeroporto da cidade (a “menina dos olhos” municipal foi a criação da ligação rápida – Rapid Metropolitan Transit Authority – entre o aeroporto e as áreas residenciais do norte de Atlanta, que ficou como legado dos Jogos) e da melhoria no sistema de iluminação.

*valor não confirmado oficialmente

Depois da explosão no Parque Olímpico, a pergunta que se fez foi a mesma que havia sido feita em Munique-72, após o atentado terrorista: “Os Jogos continuam?” Dessa vez, os organizadores foram rápidos. Apenas algumas horas depois do incidente, o Comitê Olímpico Internacional garantiu a sequência da olimpíada. E, no dia seguinte, as competições foram disputadas normalmente. A diferença? Antes de todas elas, foi observado um minuto de silêncio em homenagem às vítimas.

 

NÚMEROS “AMERICANOS”

Apesar de tudo, os Jogos de Atlanta-96 registraram números impressionantes, como o de ingressos vendidos: 10 milhões! Em outras palavras, o equivalente à população de Portugal na época… Vale ressaltar que a organização americana dos Jogos promovia a venda de ingressos até para treinos. E, como estratégia de venda, montou locais e cronograma dos eventos esportivos em dezenas de locais e em lugares distantes.

É verdade que a maioria se concentrou no Anel Olímpico, um círculo de quase cinco quilômetros a partir do centro de Atlanta, com o Estádio Olímpico Centenário (capacidade para 85 mil espectadores) em destaque – ali foram realizadas as cerimônias de abertura e encerramento e todo o torneio de Atletismo. E mais dezesseis pontos, entre ginásios e/ou complexos aquáticos.

Outras modalidades foram disputadas em Stone Mountain, que ficava a cerca de 30 km da cidade. O Vôlei de Praia, estreando em Olimpíadas, teve seus jogos realizados em uma praia artificial, em Jonesboro, área metropolitana de Atlanta, a 160 km da costa marítima. O rio Savannah recebeu as competições de Vela, na cidade de mesmo nome. As localidades de Columbus, Gainesville (lago Lanier) e Tennessee (rio Ocoee) também sediaram competições diversas.

Os direitos de transmissão para televisão estabeleceram novo recorde: US$ 898 milhões (oitocentos e noventa e oito milhões de dólares) – só a NBC pagou US$ 456 milhões (quatrocentos e cinquenta e seis milhões de dólares) para obter exclusividade. E 214 países receberam as imagens dos Jogos (em Barcelona-92 foram 193 países).

A cobertura da mídia mundial também foi massiva: 15.108 órgãos de imprensa (5.695 órgãos da imprensa escrita e 9.413 empresas de radiodifusão) estiveram em Atlanta durante os dezessete dias de competição. E aproximadamente 52 mil voluntários participaram do evento, além de 6.560 funcionários empregados no início da preparação dos Jogos e 78.240 free-lancers.

No Brasil, outro recorde. O número de emissoras que transmitiram os Jogos de Atlanta-96 foi o maior até então: Bandeirantes, Globo, Manchete, Record e SBT (abertas), além de SporTV e ESPN-Brasil (ambas a cabo).

OS DESTAQUES NO ESPORTE

Quatro modalidades foram introduzidas nos Jogos, em Atlanta-96: Vôlei de Praia, Softball, Mountain Bike e Futebol Feminino. Países também debutaram em Olimpíadas: vinte e quatro nações, incluindo onze das ex-repúblicas soviéticas, que haviam competido como integrantes da CEI-Comunidade de Estados Independentes, em Barcelona-92. Rússia e Iugoslávia desfilaram com suas identidades originais, o que não acontecia havia muito tempo – pelo menos, em relação à Rússia (desde 1912).

Atlanta-96 apresentou grandes feitos e marcas impressionantes dentro das competições. Aqui vão as mais signifcativas.

No Futebol, os nigerianos foram os responsáveis por duas façanhas: na semifinal, perdiam por 3×1 para o Brasil e chegaram ao empate; na prorrogação, a “morte súbita”/“gol de ouro” os premiou, com um gol de Kanu e a consequente eliminação do Brasil (3×4), recheado de craques e de campeões mundiais (Bebeto, Ronaldo, Rivaldo, o técnico Zagallo…). A soberba “canarinho” foi atropelada pela raça africana. A outra façanha se deu na própria final, quando os nigerianos bateram a forte Argentina, por 3×2. Com o título, transformaram-se nos primeiros atletas africanos a conquistar uma medalha de ouro em esportes coletivos.

Na Ginástica, o russo Alexei Nemov conquistou duas medalhas de ouro, uma de prata e três de bronze. Seu desempenho se tornaria espetacular quatro anos mais tarde, na Austrália, quando repetiria exatamente o número e as mesmas medalhas, totalizando doze – o que o transformaria no recordista de medalhas em duas olimpíadas seguidas.

No Tênis, o americano André Agassi conquistou a medalha de ouro, enquanto o brasileiro Fernando Meligeni, o “Fininho”, ficou em um honroso quarto lugar.

Hubert Raudaschi, velejador da Áustria, obteve uma marca simplesmente invejável, em Atlanta-96: foi o primeiro atleta a competir em nove edições olímpicas.

Naim Suleymanoglu, da Bulgária, conquistou o tricampeonato olímpico no Levantamento de Peso (Seul-88, Barcelona-92 e Atlanta-96).

Na Natação, o russo Alexander Popov repetiu o mesmo desempenho e resultado de Barcelona-92: medalha de ouro nos 50m e 100m livre. Transformou-se no primeiro nadador a conquistar tal feito desde o “Tarzan” (John Weissmuller), que disputou as Olimpíadas de 1924 e 28.

A modalidade que apresentou as maiores marcas foi, sem dúvida, o Atletismo. O velocista americano Michael Johnson, por exemplo, ganhou as provas de 200m e 400m – nesta última, com uma vantagem de dez metros para o segundo colocado, a maior margem em um século! Só não se transformou no primeiro atleta a fazê-lo (ganhar as duas provas) porque as provas femininas foram realizadas antes. E a francesa nascida em Guadalupe Marie-Jose Pérec fez exatamente a mesma coisa (venceu nos 200m e nos 400m), ficando com o “título” de pioneira.

Svetlana Masterkova, da Rússia, venceu as provas de 800m e 1.500m.. A última vez que isso ocorrera fora nos Jogos de Montreal-76.

A americana Gail Devers ganhou a medalha de ouro nos 100m feminino. Até aí, nada de mais. O espetacular é que Devers disputaria ainda os Jogos de Sydney-2000 e Atenas-2004, totalizando cinco olimpíadas e três medalhas de ouro na prova mais rápida de todas.

Merlene Ottey, da Jamaica, é outra atleta que disputou várias olimpíadas – foram sete edições no total (de Moscou-80 a Atenas-2004). Em Atlanta-96, Ottey levou a medalha de prata nos 100m e 200m e bronze no Revezamento 4x100m.

Nas provas de fundo, Venuste Niyongabo (Burundi) venceu os 5 mil  metros, enquanto Haile Gebrasselassie (Etiópia) foi ouro nos 10 mil metros.

Na Marcha Atlética, uma marca histórica para o Equador. Jefferson Perez conquistou a primeira medalha olímpica do país – e foi de ouro.

O americano Carl Lewis, aos 35 anos, tornou-se o quarto atleta da história a ganhar nove medalhas de ouro em Olimpíadas, ao vencer a prova do Salto em Distância.

E, se na cerimônia de abertura dos Jogos, em 19 de julho, bilhões de pessoas no mundo se emocionaram ao ver o ex-pugilista Muhammad Ali, com Mal de Parkinson, acender a pira olímpica, no encerramento, em 04 de agosto, o presidente do COI, Juan Samaranch, resumiu um certo desapontamento, ao não repetir a frase de praxe (“estes foram os melhores Jogos Olímpicos de todos os tempos”). Diante dos vários problemas ocorridos durante aquela edição dos Jogos, Samaranch limitou-se a dizer: “Bom trabalho, Atlanta.” O que estava longe de ser verdade.

 

BRASIL

Com sua maior delegação na história das Olimpíadas, o Brasil conseguiu em Atlanta seu melhor desempenho nos Jogos, desde sua estreia, em 1920. Com 225 atletas, o Brasil conquistou 15 medalhas (três ouros, três pratas e nove bronzes).

Com direito a uma final nacional, Jacqueline e Sandra, do vôlei de praia, tornaram-se as primeiras brasileiras a ganhar um ouro olímpico. Na decisão, a dupla venceu Mônica e Adriana Samuel, medalhistas de prata. No vôlei de quadra, a equipe feminina ficou com o bronze, ao derrotar a Rússia.

O esporte que mais rendeu pódios foi a vela: Robert Scheidt (Laser) e a dupla Torben Grael/Marcelo Ferreira (classe Star) levaram o ouro, e  Lars Grael e Kiko Pellicano terminaram em terceiro lugar na classe Tornado.

Pela terceira edição olímpica consecutiva, o Judô teve boa participação. Aurélio Miguel, na categoria meio-pesado, e Henrique Guimarães, entre os meio-leves, trouxeram dois bronzes.

No futebol, o time de Zagallo tinha Dida, Bebeto, Ronaldo, Aldair, Rivaldo e Roberto Carlos. Era o grande favorito para levar o ouro. Mas, em campo, esse favoritismo não encontrou eco. Na semifinal, a Seleção perdeu para a Nigéria, de virada, por 4×3 (vencia por 3×1 e Dida defendeu um pênalti no 2º tempo). E, na disputa do bronze, derrotou Portugal. Os nigerianos fizeram a final contra os argentinos e os venceram, ficando com a medalha de ouro.

Foi a primeira vez em que a inclusão de três atletas com idades acima de 23 anos foi aceita nos Jogos Olímpicos.

Dois quartetos completaram a lista de medalhas brasileiras. Robson Caetano, André Domingos, Arnaldo de Oliveira e Édson Luciano puseram o atletismo novamente no topo, depois da apagada atuação em 1992, e levaram o bronze no revezamento 4 x 100 m. No hipismo, a equipe formada por Rodrigo Pessoa, Álvaro Affonso de Miranda Neto (Doda), André Johannpeter e Luiz Felipe Azevedo também ficou em terceiro lugar nos saltos.

Quando: 19/07/1996 a 04/08/1996

Países participantes: 197

Total de atletas: 10.318 (masculino: 6.806, feminino: 3.512)

Total de modalidades: 26

Total de medalhas distribuídas: 842

Participação do Brasil: 25º lugar

MEDALHAS BRASILEIRAS

Modalidade: Vela

Prova: Laser masculino

Atleta: Robert Scheidt

Resultado: Medalha de ouro

Modalidade: Vela

Prova: Star

Atletas: Marcelo Ferreira, Torben Grael

Resultado: Medalha de ouro

Modalidade: Vôlei de praia

Prova: Feminino

Atletas: Jacqueline Silva, Sandra Pires

Resultado: Medalha de ouro

Modalidade: Vôlei de praia

Prova: Feminino

Atletas: Adriana Samuel, Mônica Rodrigues

Resultado: Medalha de prata

Modalidade: Basquete

Prova: Feminino

Atletas: Adriana Aparecida Santos, Alessandra Oliveira, Cíntia Santos, Claudia Maria Pastor, Hortência Marcari Oliva, Janeth Arcain, Leila Sobral, Maria Angélica, Maria Paula Silva, Marta Sobral, Roseli Gustavo, Silvia Luz.

Resultado: Medalha de prata

Modalidade: Natação

Prova: 200m livre masculino

Atleta: Gustavo Borges

Resultado: Medalha de prata

Modalidade: Atletismo

Prova: Revezamento 4x100m masculino

Atletas: André Domingos, Arnaldo Oliveira, Edson Luciano Ribeiro, Robson Caetano

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Futebol

Prova: Masculino

Atletas: Aldair Nascimento Santos, Alexandre da Silva Mariano (Amaral), André Luiz Moreira, Danrlei de Deus Hinterholz, Flávio Conceição, José Elias Moedim Junior (Zé Elias), José Marcelo Ferreira (Zé Maria), José Roberto de Oliveira (Bebeto), Luiz Carlos Goulart (Luizão), Marcelo José de Souza (Marcelinho Paulista), Narciso dos Santos, Nelson de Jesus Silva (Dida), Oswaldo Giroldo Júnior (Juninho Paulista), Rivaldo Vitor Borba Ferreira, Roberto Carlos da Silva, Ronaldo Guiaro, Ronaldo Luis Nazario de Lima (Ronaldo Fenômeno), Sávio Bortolini Pimentel.

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Hipismo

Prova: Saltos por equipe

Atleta: Alvaro Affonso de Miranda Neto (Doda), André Johannpeter, Luiz Felipe Azevedo, Rodrigo Pessoa

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Judô

Prova: Meio-leve masculino

Atleta: Henrique Guimarães

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Judô

Prova: Meio-pesado masculino

Atleta: Aurélio Miguel

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Natação

Prova: 100m livre masculino

Atleta: Gustavo Borges

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Natação

Prova: 50m livre masculino

Atleta: Fernando Scherer (Xuxa)

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Vela

Prova: Tornado

Atletas: Kiko Pelicano, Lars Grael

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Voleibol

Prova: Feminino

Atletas: Ana Beatriz Moser, Ana Flávia Chritaro Daniel Sanglard, Ana Margarida Vieira Álvares (Ida), Ana Paula Rodrigues Connelly, Ericléia Bodziak (Filó), Fernanda Porto Venturini, Hélia Rogério de Souza(Fofão), Hilma Aparecida Caldeira, Leila Gomes de Barros, Márcia Regina Cunha (Márcia Fu), Sandra Maria Lima Suruagy Lima, Virna Cristine Dantas

Resultado: Medalha de bronze

 

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1 Comment

  • Nunca vou me esquecer dessa Olimpíada.
    O futebol do Brasil, que nunca ganhou uma medalha áurica,entra como favorito(Ronaldo Shemale,Roberto Carlos,Bebeto,Dida,Rivaldo,Aldair), e apanha da Nigéria na semi final, com dor no coração vê a Argentina vencer Portugal e chegar a decisão.Ao final deu Ouro -Nigéria ,Prata -Argentina e Bronze pro Brasil que vence Portugal.O íncrivel estava por vir, Zagallo não leva a delegação pro pódium , seria a primeira vez que isso aconteceria numa Olimpíada, era na verdade a vergonha de ver Argentinos com Prata e os favoritos com medalha de consolo. Viva essa turma aí , no poder até hoje na CBF, dando exemplo pra garotada não ensinado a perder.Fomos receber a medalha isoladamente n’outro dia numa competição de hipismo ….Lamentável.