Por Hélio Alcântara,

Os Jogos Olímpicos de Moscou-80 foram muito bem organizados, o governo soviético desembolsou mais de 9 bilhões de dólares, o espetáculo de abertura foi um verdadeiro exemplo de beleza e precisão, a mídia se fez presente (total de 5.615 jornalistas, entre imprensa escrita e eletrônica) e o predomínio das nações socialistas ficou evidente.

O boicote gigantesco de 61 países, liderado pelos Estados Unidos, esvaziou o evento no âmbito esportivo. No campo político, porém, acirrou ainda mais a disputa pela supremacia entre as duas maiores potências do planeta (EUA e URSS). O boicote foi determinado pelo presidente americano Jimmy Carter, em represália à invasão do Afeganistão por tropas soviéticas, no final de 1979.

O mundo mudava rapidamente, e nas duas entidades esportivas internacionais mais importantes (FIFA e COI), responsáveis por organizar as duas maiores competições do planeta (Copa do Mundo e Jogos Olímpícos), os donos das cadeiras do poder começavam a apontar a direção a ser tomada dali em diante. Presidente da FIFA desde 1974, o brasileiro João Havelange ditava o modo de se fazer política – e muito dinheiro. Já havia organizado uma Copa do Mundo (Argentina-78) e preparava a da Espanha-82. Descobrira em Horst Dassler, herdeiro da Adidas, um parceiro e tanto no marketing esportivo. E descobrira também que poderia trazer um grande volume de recursos à entidade vendendo os direitos de transmissão da Copa para a televisão – quem pagasse mais, levava o evento. Às custas de uma grande paixão mundial, Havelange ia montando dentro da FIFA uma verdadeira máquina de fazer dinheiro.

José Samaranch, eleito presidente do COI no ano dos Jogos de Moscou-80, havia tempos queria trilhar o mesmo caminho. Mas, antes, teria de convencer os “puristas” de que o mundo tinha mudado e, agora, era hora de profissionalizar os atletas e todo o evento. O espanhol ainda teria de aguardar algum tempo para transformar os Jogos Olímpicos em sucesso comercial e enterrar de vez o amadorismo.

Com o boicote americano e de países importantes, como Alemanha, Canadá e Japão, a Olimpíada moscovita ficou naturalmente menos competitiva, em termos esportivos. No total, 81 países competiram (alguns sob a bandeira olímpica) – número mais baixo desde Melbourne-56. Logo depois da abertura, a Libéria desistiu de competir, baixando o número para 80.

O Hóquei feminino, a ser inaugurado em Olimpíadas, sofreu uma redução drástica de equipes. Os organizadores dos Jogos de Moscou agiram rapidamente: convidaram vários países (Angola, Botsuana, Chipre, Ilhas Seicheles, Jordânia, Laos, Moçambique e Siri Lanka), entre eles, o Zimbabue, que surpreendentemente acabou conquistando a medalha de ouro na modalidade.

Mas, mesmo com o boicote, a grandeza do espetáculo foi garantida. Em 19 de julho, na cerimônia de abertura, no Estádio Lênin, lá estavam 102 mil espectadores diante do ursinho Misha (mascote dos Jogos), de pirâmides humanas e de mosaicos propagandistas pró-governo soviético. Milhares de pessoas seguravam placas em lugares determinados dar arquibancadas. Quando acionadas ao mesmo tempo, estampavam o rosto de Lênin em fundo vermelho – a cor da bandeira da URSS. No gramado, atletas adolescentes misturados a soldados em fardamento de gala montavam a foice e o martelo, símbolo presente na bandeira soviética. Sem dúvida, era uma demonstração convincente de força. Sem seus principais adversários, a União Soviética estava pronta para pulverizar recordes e adversários.

OS DESTAQUES

Wladimir Salnikov nadou os 1.500m livre em menos de 15 minutos (14’58”27), transformando-se no primeiro atleta a fazê-lo.

Na ginástica, Aleksandr Dityatin ganhou medalhas em todas as oito provas da modalidade – três de ouro, quatro de prata e uma de bronze. Até hoje é o único atleta a ter alcançado tal feito em Jogos Olímpicos.

A grande decepção dos Jogos para os soviéticos foi Vasily Alekseyev, imbatível no Levantamento de Peso entre 1970 e 78, detentor de duas medalhas de ouro olímpicas e de oito títulos mundiais seguidos. Alekseyev era o grande favorito na prova dos superpesados, mas não teve cabeça para esperar o banquete: na primeira tentativa, colocou peso em excesso e falhou. Foi eliminado.

Nas provas de 5.000m e 10.000m, um único atleta levou as duas medalhas de ouro (repetindo o finlandês Lasse Viren, em Montreal-76): Miruts Yifter, da Etiópia, trazendo os africanos de volta à ribalta nas provas de fundo do Atletismo.

Nas provas de meio-fundo, os britânicos Sebastian Coe e Steve Owett venceram os 800m e os 1.500m respectivamente. Mas atuaram sob a bandeira olímpica, já que a Grã-Bretanha (ao lado de países como França, Itália, Austrália e outros) aderiu ao boicote com ressalvas. Deixou seus atletas liberados para atuarem representando a bandeira do COI-Comitê Olímpico Internacional.

No Salto Triplo, os soviéticos ficaram com a medalha de ouro. Mas, não com o tricampeão olímpico Viktor Saneyev, e sim com Jaak Uudmae, que saltou 17,35m (vide história abaixo, na participação brasileira em Moscou).

O decatleta Daley Thompson conquistou o ouro facilmente. O boicote dos principais países contribuiu para que o britânico não tivesse adversários à altura.

A ilha de Cuba se fez presente através do maior pugilista amador da história: o já “veterano em Olimpíadas” Teófilo Stevenson ganhou a terceira medalha de ouro consecutiva na categoria dos superpesados (Munique-72, Montreal-76 e Moscou-80). Um fenômeno.

Na cerimônia de encerramento dos Jogos de Moscou-80, quando todos esperavam pela tradição olímpica (hasteamento das bandeiras soviética (país-sede), grega (país olímpico) e americana – país-sede da Olimpíada seguinte), houve um desfecho com opção política: em vez da bandeira americana, foi hasteada a bandeira da cidade de Los Angeles; e no lugar do hino americano foi tocado o hino olímpico.

Além disso, uma das cenas mais famosas da história das Olimpíadas foi interpretada como um “recado” soviético aos que participaram do boicote americano: o choro do urso Misha, mascote dos Jogos de Moscou, como se lamentasse a ausência dos competidores.

O BRASIL NOS JOGOS

Para os Jogos de Moscou, o Brasil enviou sua maior delegação até então: 109 atletas. E, com a ausência de várias nações importantes no cenário esportivo, o país acabou obtendo seu melhor desempenho em Olimpíadas desde a primeira participação, na Antuérpia-20: 17º lugar no quadro final geral de medalhas, com duas de ouro e duas de bronze.

A Vela seguiu sua sina de conquistar medalhas. Mas, agora, elas eram douradas. Alexandre Welter e Lars Bjorkstrom conquistaram o ouro na classe Tornado, enquanto Marcos Soares e Eduardo Penido foram os campeões na classe 470.

Na Natação, a equipe do revezamento 4x200m livre, formada por Jorge Fernandes, Marcus Mattioli, Ciro Delgado e Djan Madruga, completou a prova em 7min30s10 e ganhou o bronze. Com o resultado, caía o “tabu” de vinte anos sem medalhas olímpicas na modalidade (a última havia sido conquistada nos Jogos de Roma-60). Djan Madruga se destacou entre os brasileiros: na prova dos 400m nado livre chegou em 4º lugar; e nos 400m medley foi o quinto a encostar a mão na borda da piscina.

No entanto, a “grande história” brasileira nos Jogos de Moscou-80 se deu no Atletismo. João Carlos de Oliveira, o “João do Pulo”, era o recordista mundial do Salto Triplo e estava muito bem preparado. A medalha de ouro seria consequência natural de um planejamento bem feito, e não obra do acaso.

Mas, na pista, João teve de enfrentar os atletas e os árbitros – todos soviéticos. Eles anularam três dos seis saltos do brasileiro – um deles havia ultrapassado a marca dos 18 metros, o que daria a João novo recorde mundial, além, evidentemente, da medalha de ouro em Moscou. Mas o objetivo dos soviéticos era entregar o tetracampeonato olímpico a Viktor Saneyev. Ironicamente, o tricampeão não foi além dos 17,24m e acabou com a medalha de prata, atrás do também soviético Jaak Uudmae, que saltou 17,35m. Um escândalo.

Os árbitros soviéticos “permitiram” os 17,22m de João do Pulo, que ficou com a medalha de bronze. Até hoje a imprensa esportiva mundial fala dessa prova com boa dose de ironia e/ou desconfiança.

Moscou-80 foi a última edição de Jogos Olímpicos de que João Carlos de Oliveira participou. No final de dezembro do ano seguinte, o atleta sofreu um grave acidente automobilístico e acabou tendo a perna direita amputada.

O basquete brasileiro, com uma geração nova (Oscar, Marcel, Maury, Cadum e cia.), não conseguiu classificação para os Jogos, mas, por causa do boicote, foi convidado a participar pelos organizadores. E quase voltou de Moscou com uma medalha – acabou o torneio em 5º lugar.

(quadro geral final de medalhas, com os 5 primeiros colocados)

Quando: 19/07/1980 a 03/08/1980

Países participantes: 80

Total de atletas: 5.217 (masculino: 4.0641, feminino: 1.115)

Total de modalidades: 21

Total de medalhas distribuídas: 631

Participação do Brasil: 17º lugar

MEDALHAS BRASILEIRAS

Modalidade: Vela

Prova: 470 masculino

Atletas: Eduardo Penido, Marcos Soares

Resultado: Medalha de ouro

Modalidade: Vela

Prova: Tornado

Atleta: Alex Welter, Lars Björkström

Resultado: Medalha de ouro

Modalidade: Atletismo

Prova: Salto triplo masculino

Atleta: João do Pulo

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Natação

Prova: Revezamento 4x200m livre masculino

Atletas: Cyro Delgado, Djan Madruga, Jorge Fernandes, Marcus Mattioli

Resultado: Medalha de bronze

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