Você sabia:

Que Adhemar Ferreira da Silva é o único atleta brasileiro que conquistou duas medalhas de ouro consecutivas em uma mesma prova em Jogos Olímpicos? Seus feitos aconteceram nos Jogos Olímpicos de 1952 em Helsinque, na Finlândia e em Melbourne, na Austrália em 1956. Adhemar conquistou seu bicampeonato no salto triplo e em 2012 foi imortalizado no Hall da Fama do atletismo.

Medalhista de ouro no salto triplo das Olimpíadas de Helsinque (1952) e Melbourne (1956), ele também “foi uma pessoa que combateu o preconceito e promoveu o atletismo no país”, ressalta o diretor Rafael Terpins. Adhemar foi adido cultural, professor da Febem e até mesmo ator em “Orfeu negro”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1960.

Gravação do DOC O Salto de Adhemar. Foto: Rafael Terpins

Thiago Brandimarte Mendonça e Rafael Terpins responderam algumas questões sobre o documentário.

Depois de 6 meses, o documentário nasceu. Como foi  pra vc esse processo todo, desde a pesquisa até a finalização?

Foi um imenso prazer entrar no universo de Adhemar Ferreira da Silva, o  primeiro grande campeão olímpico brasileiro. Sua vida foi intensa e permeada de coincidências e acontecimentos que a tornam um prato cheio para a realização de um filme. Adhemar é fruto do acaso, mas também uma construção consciente de atleta e cidadão. Sua trajetória é circular: da origem humilde na Casa Verde à meteórica ascensão olímpica. No fim a queda, a nova superação e a volta à origem, onde procura passar os conhecimentos aprendidos em seu tortuoso caminho.

O processo de realização do documentário foi natural. Nos deixamos levar pela história deste atleta e a riqueza de suas histórias nos indicou as escolhas estéticas e narrativas do filme. O início de sua vida na pobreza de São Paulo é acompanhada por um desejo de ascensão. A descoberta ao acaso do talento para o atletismo e suas vitórias coincidem com a percepção do preconceito por parte dos próprios atletas. A superação não afasta Adhemar da consciência de seu lugar em uma sociedade racista. Ele percebe logo que precisa superar-se não só nas pistas. Faz quatro universidades, aprende diversas línguas, comunica-se com o mundo e reage às ofensas. Torna-se ator, adido cultural na Nigéria, jornalista, professor. Volta-se para as crianças marginalizadas, seus iguais, dando aula nas Febens da vida. A consciência de si torna-se consciência dos seus. É esta trajetória única e exemplar que tentamos mostrar no filme.

Duas escolhas estéticas foram centrais: a primeira foi utilizar animações para a reconstituição de época, baseadas em grande parte no modernismo dos cartoons da década de 50, principalmente no trabalho da produtora UPI e no tratamento dado aos desenhos do Mr. Magoo. Acabamos por trabalhar com aquarelas e tinta a óleo para dar um aspecto mais quente e manual para o filme. A segunda foi a descoberta na pesquisa de um extenso material de arquivo filmado pelo próprio Adhemar na Nigéria em super 8, mostrando o cotidiano deste país. Percebemos que as famílas nigerianas que ali apareciam poderiam representar a família de Adhemar 50 anos antes, sendo sua mãe representada por tantas outras mães negras nigerianas. As imagens de super 8 nos deram um ganho simbólico no campo da representação, mas também no campo narrativo. Adhemar repete em suas entrevistas que havia descoberto na Nigéria que seu avô fora um rei, e que ele era um príncipe. De fato Adhemar ostenta postura nobre, intangível, um Xangô, como disse sua filha.

O trabalho com a equipe foi excelente: da empatia com o fotógrafo, Humberto Bassanelli, à liberdade de trilhar um caminho não convencional que tivemos das produtoras Elisa Chalfon e Luana Binta. Fundamental também foi o envolvimento dos familiares. Diego, o neto de Adhemar, acabou tornando-se co-roteirista.

Para nós o sonho de Adhemar foi uma lição. Mesmo nas condições precárias em que o esporte se desenvolve no país ele se superou e passou seus conhecimentos para outros jovens que também sonhavam com o estrelato das pistas. Nas palavras do medalhista Nelson Prudêncio, Adhemar tirou a catarata dos olhos de muitos. Mostrou a importância da auto-construção do cidadão para além do atleta. E é com felicidade que dividimos com público agora o Salto de Adhemar.

Como se deu a sua escolha de falar sobre o Adhemar? Qual é a sua relação com o mundo esportivo?

Rafael Terpins e Thiago Mendonça diretoers do Documentário O Salto de Adhemar. Foto: Leonardo Pietrocola

Já joguei basquete com uma breve passagem no high school americano e defendi a seleção judaica brasileira. Cheguei a treinar com os veteranos da Hebraica marcando os eternos pivôs da seleção Gerson e Israel. Hoje sou praticante e entusiasta do Kung Fu na ASKF, o esporte sempre me deu muito prazer e faz parte da minha vida.

O Thiago já trabalhou o tema esportivo no documentário Fora de Campo (co-direção com Adirley Queirós) quando seguiu a vida de ex-jogadores de futebol na segunda divisão brasiliense.

Um amigo indicou o Adhemar como tema para o edital e ficamos fascinados com sua história, e mais impressionados com a ignorância geral com esta lenda do esporte nacional.

Descreva o Adhemar que vc tinha na cabeça antes de começar a se apropriar do documentário e agora?

O Adhemar, para mim, era um atleta natural, um fenômeno que já nasceu pronto. Uma pessoa curiosa com uma certa tendência artística, uma facilidade enorme para línguas e uma veia diplomática. Após o início do documentário, percebi que ele era muito mais do que isso. O Adhemar tinha uma verdadeira obsessão por conhecimento, aplicação nos treinos e para com a vida ao mesmo tempo que borbulhava uma veia artística latente. O que mais nos impressionou foi seu lado “Forrest Gump”, sua história se confunde com a história do país. Foi escultor na oficina de Brecheret, atuou na peça Orfeu e Negro de Vinicius de Morais e desempenhou o papel da morte no flme de mesmo nome de Marcel Camus, foi desafeto de Janio Quadros e hospedou Pierre Fatumbi Verger na sua casa na Nigéria.

Diego, neto do atleta Adhemar, fala sobre as lembranças so seu avô. Foto:Rafael Terpins

Com quais personagens você gravou? Conta um pouco sobre esses momentos.

Tivemos depoimentos deliciosos. Gravamos com Nelson Prudêncio, ex-triplista medalhista na olimpíada do México 68 na UFSCar, onde ele nos deu uma verdadeira aula de dinâmica de movimento no salto triplo.

Conversamos com Wanda dos Santos que, com 16 anos acompanhou Adhemar na sua primeira conquista olímpica. Wanda já tem quase 80 anos, mas continua treinando e disputando nas barreiras mundo afora.

Fiha de Adhemar, a canotora Adyel fala sobre a vida do pai. Foto: Rafael Terpins

Conversamos com Luís Roberto, amigo pessoal de Adhemar que participou de projetos sociais com o atleta e nos contou sobre esta obsessão de Adhemar em conhecer a cultura e idiomas antes de viajar para o local.

Também gravamos com a família. O neto Diego contou da figura paterna que foi seu avô e de sua busca por documentar sua trajetória. Adyel nos presenteou com um relato emocionante onde passamos por toda vida de Adhemar, de seu nascimento até seu legado. Adyel é cantora e leva adiante a carreira que seu pai desejava ter antes de ser descoberto para o atletismo.

Você tem uma forte referência nas suas direções com a animação. Como vai se dar este cruzamento com o Adhemar?

Nossa idéia inicial era utilizar a animação para descrever períodos. Localizar o espectador na década de 50, 60 e assim por diante.

Já havíamos captado o triplista Jefferson Sabino saltando com câmeras de alta velocidade para ilustrar os momentos da vida do atleta em um paralelo com sua modalidade.

Acontece que o artista Adhemar Ferreira da Silva, nos deixou um tesouro escondido. Localizamos uma coleção incrível de imagens captadas durante os anos de 1974 a 1977 na Nigéria em Super 8. Fazer filmes é um processo orgânico e este material nos fez repensar o roteiro e estamos levando o filme para uma outra direção. Muito mais condizente com o espírito multicultural de Adhemar Ferreira da Silva.

O que as pessoas vão assistir com este doc pronto?

A maioria das pessoas irão conhecer a história de Adhemar Ferreira da Silva. O primeiro brasileiro a entrar no Hall da Fama do Atletismo ao lado de Jesse Owens. Irão conhecer o artista, irão conhecer a pessoa obstinada e alegre mas principalmente irão entender por que Adhemar é o maior atleta do esporte Olímpico brasileiro.

Adhemar Ferreira da Silva

Adhemar Ferreira da Silva é o único atleta brasileiro que conquistou duas medalhas de ouro consecutivas em uma mesma prova em Jogos Olímpicos. Sua história é marcada pela superação dos limites e pelas coincidências que fizeram dele um grande nome, conhecido não só por seus recordes, mas também por seu carisma.

Nas Olimpíadas de Helsinque 1952, Adhemar quebrou o próprio recorde mundial quatro vezes. O estádio foi ao delírio. A comoção do público foi tanta na hora da premiação que o juiz pediu que Adhemar desse uma volta na pista agradecendo aos aplausos. Nascia assim a volta olímpica.

Foram coincidências que levaram Adhemar às pistas. Vindo de uma família pobre da Casa Verde, na Zona Norte de São Paulo, o atleta precisou trabalhar desde cedo para ajudar a família. Sonhava em ser cantor e até os 19 anos não sabia o que significava a modalidade em que iria competir.

Adhemar teve uma ascensão meteórica no esporte e sofreu as agruras e preconceitos de seu tempo ao abraçar um caminho pouco valorizado. Em 1953 era funcionário da prefeitura paulistana e foi atacado pelo então mandatário Jânio Quadros por faltar ao emprego para competir internacionalmente. “Vagabundo”, classificou Jânio. Parte da imprensa abraçou esse discurso e Adhemar acabou demitido. Seu último salto foi dado após o fim da carreira, quando dedicou-se a difundir o esporte entre crianças pobres, buscando apoiar jovens com histórias semelhantes a sua.

A vida de Adhemar é mais do que um exemplo de superação. Ela sintetiza as dificuldades e desafios dos atletas brasileiros no século passado. Vencer as próprias marcas e as competições, superar os recordes, mas também vencer a pobreza e o preconceito. Adhemar foi um exemplo – o atleta por vocação, o grande campeão, o cultivador de sonhos para as novas gerações.

Rafael Terpins

Ficha técnica:

Documentário: “O salto de Adhemar”

Produtora: Bossa Nova Films Criações e Produções

Diretor: Rafael Terpins e Thiago Brandimarte Mendonça

Localidade: São Paulo (SP)