Por Hélio Alcântara,
Os Jogos Olímpicos de Los Angeles 1984 (28/07 a 12/08/1984) foram os primeiros a não contar com dinheiro público na história das Olimpíadas – tudo foi feito com a participação da iniciativa privada. O governo californiano chegou a construir um terminal inteiramente novo no Aeroporto Internacional de Los Angeles, apenas para atender à demanda dos Jogos, com milhares de atletas, jornalistas e dirigentes.
Ao final do evento, os organizadores americanos anunciaram ao planeta que os Jogos haviam dado lucro: US$ 223.000.000 (duzentos e vinte e três milhões de dólares). Para os canadenses, que tinham sediado a Olimpíada apenas oito anos antes, a informação soava como uma bofetada – eles levariam mais de trinta anos para quitar a dívida total. Mas o melhor da informação era o imenso alívio que ela trazia ao COI-Comitê Olímpico Internacional: depois dos problemas financeiros enfrentados por Montreal 1976, a possibilidade de extinção dos Jogos Olímpicos pairou, ameaçadora, sobre as cabeças de todos os envolvidos com o evento.
Apesar do boicote da URSS e dos países do bloco comunista – apenas Romênia, Iugoslávia e China não aderiram ao boicote –, 140 nações disputaram os Jogos, sendo representados por 6.829 atletas (recorde de 1.566 mulheres). A cobertura ficou a cargo de mais de nove mil jornalistas de todo o planeta.
A grande ironia relacionada ao boicote foi a invasão dos Estados Unidos a um pequeno país chamado Granada, em 1983. Os americanos haviam boicotado os Jogos de Moscou 1980 porque protestavam contra a invasão soviética ao Afeganistão. Mas, três anos depois, faziam o mesmo. Curiosa arte de fazer política.
O estádio que recebeu a cerimônia de abertura foi exatamente o mesmo dos Jogos de 1932 – para 1984, ele sofreu uma grande reforma. Houve um instante de perplexidade quando um “homem-foguete” surgiu voando no estádio. Mas a responsável pelo momento de maior emoção na abertura foi Marlene Dortch. A neta do mítico Jesse Owens entrou no “Colyseum” carregando a chama olímpica.
DESTAQUES
Pra começar, é preciso dizer que sem os adversários mais poderosos (como soviéticos, cubanos e alemães orientais), os atletas americanos deitaram e rolaram. O país acabou em 1º lugar no quadro geral final, com 174 medalhas, mais do que o triplo da Romênia, segunda colocada (53 medalhas). Em relação às medalhas de ouro, o “banho” foi ainda maior: 83 a 20 para os EUA. Ainda assim, esse número de 53 medalhas representou o recorde para o país, não quebrado até hoje.
O grande nome dos Jogos de Los Angeles foi o velocista americano Carl Lewis. Carismático e, portanto, bastante querido pelo público em geral, Lewis igualou o recorde de Jesse Owens, estabelecido em 1936, nos Jogos de Berlim: conquistou quatro medalhas de ouro nos 100m, 200m, revezamento 4x100m e Salto em Distância. Mas Lewis não gozava de prestígio entre seus colegas de equipe. Apenas alguns meses após a Olimpíada, os próprios atletas fizeram uma votação e decidiram excluir o companheiro da equipe de revezamento 4x100m do Mundial de Atletismo, disputado na Austrália. A alegação? Carl Lewis se recusava a treinar e a dormir no mesmo hotel dos campanheiros de seleção americana.
A também americana Mary Lou Retton tornou-se a primeira ginasta do país a conquistar o ouro geral na modalidade, mesmo com a presença das temidas romenas, tradicionais medalhistas na ginástica.
Ao conquistar o ouro na prova feminina dos 400m com barreiras (modalidade que estreava em Olimpíadas), a marroquina Nawal El Moutawakel transformou-se na primeira campeã olímpica muçulmana. Na Maratona Feminina, a americana Joan Benoit venceu com facilidade, depois de liderar praticamente toda a prova e ser ovacionada ao entrar no estádio para cruzar a linha de chegada.
Portugal (como país) também faria história em Los Angeles. Conseguiu sua primeira medalha de ouro, com a vitória de Carlos Lopes, na Maratona. De quebra, estabeleceu novo recorde olímpico, que duraria até 2008.
Los Angeles-84 foi testemunha da estreia de várias modalidades nos Jogos: Maratona Feminina, Nado Sincronizado, Ginástica Rítmica, Prancha a Vela (Windsurf) e 400 Metros com Barreiras (Feminino).
Uma das imagens mais fortes – até porque chocante – foi a da atleta suíça Gabriele Andersen-Scheiss, que cruzou a linha de chegada de maneira atípica. Desidratada e desorientada (o esforço durante toda a prova fora imenso), ela veio praticamente cambaleando nos metros finais, até desabar nos braços do médico que surgiu na pista para ampará-la.
Outro episódio que marcaria os Jogos de Los Angeles-84 foi o que envolveu Mary Decker e Zola Budd, nos 3.000m. A americana Decker era a recordista mundial da prova e considerada favorita para conquistar a medalha de ouro. Budd, sul-africana que se inscreveu representando a Grã-Bretanha, tinha apenas 18 anos de idade e corria descalça. Na parte final da prova, Budd, que tinha em Decker um ícone do esporte, ultrapassou a líder e ficou em condições reais de vencer os 3.000m. Mas Mary Decker, talvez surpresa pela ultrapassagem, tropeçou na sul-africana e caiu. Machucou-se, chorou de raiva e de dor e se retirou da prova. Sem esconder seus sentimentos, culpou Budd pela eliminação. E o estádio vaiou a atleta sul-africana, que, desestabilizada emocionalmente, cruzou a linha de chegada em 7º lugar. Uma das vaias mais injustas da história dos Jogos Olímpicos.
O britânico Daley Thompson aproveitou a ausência dos principais adversários e repetiu a dose de quatro anos antes: medalha de ouro no Decatlo.
No basquete, a seleção americana também não teve adversário. Como curiosidade, um dos atletas que a compunham se tornaria, para muita gente, “o maior jogador de basquete de todos os tempos”. Michael Jordan, que naquele ano de 1984 assinaria contrato com o Chicago Bulls, time pelo qual conquistaria seis campeonatos profissionais nos EUA (NBA).
O BRASIL NOS JOGOS
Após o bom desempenho em Moscou, o Brasil enviou uma delegação ainda maior para Los Angeles. Com 166 atletas, sendo 145 homens e 21 mulheres, o país dobrou o número de medalhas conquistadas, com oito no total, até então um recorde: uma de ouro, cinco de prata e duas de bronze.
O brasiliense Joaquim Cruz, que antes de se tornar atleta foi jogador de basquete, foi o único vencedor dourado do país. De quebra, estabeleceu novo recorde olímpico nos 800 m rasos (1min43s00), que duraria até os Jogos de Atlanta-1996. O desempenho e a conquista de Cruz ganham mais importância quando lembramos que seu principal adversário na pista era o então recordista mundial, o inglês Sebastian Coe, que tinha como objetivo recuperar o ouro perdido para o compatriota Ovett quatro anos antes, nos Jogos de Moscou. A última volta de Cruz foi memorável – iniciou o sprint com suas passadas largas e não permitiu a aproximação de Coe em nenhum momento até cruzar a linha de chegada. É até hoje a única medalha de ouro brasileira no atletismo de pista.
Ricardo Prado conquistou a medalha de prata nos 400m medley da Natação, enfrentando o canadense de origem tcheca Alex Baumann, que completou a prova em 4’17”41 centésimos. O tempo do brasileiro foi 4’18”45 centésimos. E, nos 200m costas, Prado chegou em 4º lugar.
A Seleção Masculina de Vôlei viveu um momento de ilusão. Impulsionada pelo vice-campeonato mundial (perdeu para os soviéticos), em 1982, pelo processo de profissionalização implantado no país e pela incrível popularidade de seus atletas, foi a Los Angeles com o pensamento voltado para a conquista da medalha de ouro. Com o boicote, teve o caminho facilitado. Superou a Itália na semifinal e chegou à final da competição.
Mas o “momento de ilusão” a que nos referimos foi o jogo diante dos americanos, ainda na fase preliminar. Os brasileiros derrotaram os anfitriões por 3×0, acreditando que o resultado tivesse o significado real no equilíbrio de forças – ele apenas definia as colocações dentro do grupo e o caminho a ser percorrido na sequência do torneio. Os americanos não mostraram seu jogo, ao passo que o Brasil apresentou tudo o que sabia. Na partida em que a medalha de ouro estava em disputa, os brasileiros foram simplesmente massacrados pelos americanos: 3×0 (15/6, 15/6 e 15/7). O grupo talentoso de jogadores (William, Bernard, Amaury, Renan, Montanaro, Xandó e companhia), comandado pelo técnico Bebeto de Freitas, ficou conhecido como “a geração de prata” do voleibol brasileiro.
Outras três medalhas brasileiras vieram do Judô. Douglas Vieira conquistou a prata na categoria meio-pesado. E Walter Carmona (peso médio) e Luís Onmura (peso leve) levaram o bronze. Nessa época, Carmona começava a ensaiar uma ferrenha oposição ao então presidente da Confederação Brasileira de Judô, Joaquim Mamede, um dos ditadores do nosso esporte. A família Mamede ficaria no poder até 2001, totalizando vinte anos à frente da CBJ.
A Vela brasileira também teve uma belíssima atuação nos Jogos de Los Angeles-84. Na classe soling, a dupla Torben Grael e Daniel Adler conseguiram a medalha de prata, dando sequência ao ótimo desempenho do país em olimpíadas.
Outros atletas brasileiros tiveram atuação bastante elogiada. Embora não conseguissem medalhas, chegaram bem perto delas.
No Atletismo, João Batista Eugênio da Silva disputou a final dos 200m e chegou em 4º lugar. No Tiro, Delival da Fonseca Nóbrega ficou em 4º lugar na prova de tiro rápido. E, no Remo, Walter Soares, Ângelo Rosso Neto e o timoneiro Nílton Silva Alonso chegaram em 4º lugar.
Robson Caetano, atleta promissor e com 19 anos na época, foi protagonista de uma história que talvez tenha lhe roubado uma medalha. O carioca estava inscrito para disputar a prova do Revezamento 4x100m. Mas, na noite anterior, recebeu um convite feminino irresistível e só apareceu no dia da corrida, pouco antes do tiro de largada. O romântico Caetano, especialista nos 200m e grande esperança de medalha para o Brasil, foi desligado da delegação imediatamente.
O futebol brasileiro chegou à final de uma olimpíada, pela primeira vez. E na primeira competição em que os profissionais puderam atuar – desde que não tivessem participado de Copas do Mundo –, o Brasil foi derrotado pela França por 2×0. A base do time era o Internacional, de Porto Alegre, e o time teve Dunga, Mauro Galvão e o goleiro Gilmar, que acabariam defendendo a equipe profissional. O técnico era Jair Picerni.
A grande novidade foi a curiosidade despertada pelo futebol em olimpíadas. Na final, entre Brasil e França, o Rose Bowl recebeu cem mil pessoas. Deixou organizadores americanos e membros do COI espantados.
Quando: 28/07/1984 a 12/08/1984
Países participantes: 140
Total de atletas: 6.829 (masculino: 5.263, feminino: 1.566)
Total de modalidades: 23
Total de medalhas distribuídas: 688
Participação do Brasil: 19º lugar
MEDALHAS BRASILEIRAS
Modalidade: Atletismo
Prova: 800m masculino
Atleta: Joaquim Cruz
Resultado: Medalha de ouro
Modalidade: Futebol
Prova: Masculino
Atletas: Ademir Roque Kaefer, Aguilmar Oliveira, André Luiz Ferreira, Antônio José Gil, Carlos Verri (Dunga), David Cortez Silva, Francisco Vidal, Gilmar Rinaldi, João Leiehart Neto, Luiz Carlos Winck, Luiz Dias, Mauro Galvão, Milton Cruz, Paulo Santos, Ronaldo Silva, Jorge Luiz Brum (Pinga), Silvio Paiva (Silvinho).
Resultado: Medalha de prata
Modalidade: Judô
Prova: Meio-pesado masculino
Atleta: Douglas Vieira
Resultado: Medalha de prata
Modalidade: Natação
Prova: 400m Medley masculino
Atleta: Ricardo Prado
Resultado: Medalha de prata
Modalidade: Vela
Prova: Soling
Atleta: Daniel Adler, Ronaldo Senfft, Torben Grael
Resultado: Medalha de prata
Modalidade: Voleibol
Prova: Masculino
Atletas: Amauri Ribeiro, Antônio Carlos Gueiros Ribeiro (“Badalhoca”), Bernard Rajzman, Bernardo Rocha de Rezende (“Bernardinho”), Domingos Lampariello Neto (“Maracaña”), Fernando Roscio de Ávila (“Fernandão”), José “Montanaro” Júnior, Marcus Vinícius Simões Freire, Mário Xandó de Oliveira Neto, Renan dal Zotto , Rui Campos Nascimento, William Carvalho da Silva.
Resultado: Medalha de prata
Modalidade: Judô
Prova: Leve masculino
Atleta: Luis Onmura
Resultado: Medalha de bronze
Modalidade: Judô
Prova: Médio masculino
Atleta: Walter Carmona
Resultado: Medalha de bronze