Por Hélio Alcântara

1964 marca o ápice da tensão nas relações entre Vietnã do Sul (apoiado pelos EUA) e Vietnã do Norte (apoiado pela URSS). O conflito entre os dois países existia desde 1959 – americanos e soviéticos se mantinham na retaguarda. Mas, a partir do 2º semestre de 1964, os Estados Unidos passaram a considerar seriamente a possibilidade de intervir diretamente no conflito. E em janeiro de 1965 ordenaram que um esquadrão de caças estacionado no Japão se deslocasse para o Vietnã. A chamada “Guerra Fria” saía assim do âmbito das ameaças para entrar verdadeiramente em campo.

As consequências da II Guerra Mundial (1941-45) ainda eram sentidas em alguns países da Europa. E, na verdade, afora os povos daquele continente, ninguém sofreu tanto os efeitos da guerra como os japoneses. A lembrança das duas bombas atômicas lançadas pelos americanos sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, estavam vívidas na memória e no cotidiano japoneses. A tarefa de reconstrução do país ocupava o povo como uma obsessão real. Os Jogos Olímpicos de Tóquio chegavam, afinal, em boa hora. Era a grande oportunidade de os japoneses mostrarem ao planeta seu incrível poder de organização, disciplina e determinação. Em apenas cinco anos transformaram o país.

Confirmando a tese de que esporte e política vivem de mãos dadas, várias obras em Tóquio foram feitas basicamente com dinheiro americano, já que os EUA estavam em dívida com os japoneses pelos estragos feitos durante a guerra. Vários aspectos da infra-estrutura da cidade, como o sistema de transporte (especialmente a linha de trem rápido que ligava o aeroporto ao estádio) e a construção de ginásios e instalações esportivas consumiram cerca de US$ 3 bilhões (três bilhões de dólares).

O Ginásio Nacional Yoyogi, projetado pelo arquiteto japonês Kenzo Tange e utilizado para as competições aquáticas, foi uma das instalações que chamaram a atenção do planeta. Seu design, absolutamente revolucionário, mostrava um teto suspenso e um formato que lembrava várias coisas – menos um ginásio de esportes. O pavilhão (menor), ao lado do grande ginásio, também havia sido projetado por Tange e era visualmente bastante diferente e moderno. Ali foram disputados os jogos de basquete.

No dia 10 de junho de 1964, o Estádio Olímpico, cujo projeto arquitetônico se baseou nos templos japoneses tradicionais, estava lotado para a cerimônia de abertura. O Imperador Hirohito abriu os Jogos em meio a uma atmosfera carregada de emoção. O momento mais simbólico e intenso do evento certamente foi a entrada do jovem Yoshinori Sakai no estádio, carregando a tocha olímpica. Sakai tinha 19 anos e havia nascido em Hiroshima, em 6 de agosto de 1945 – exatamente o dia em que os americanos despejaram a bomba atômica sobre a cidade. O gesto planejado pelos organizadores dos Jogos de Tóquio foi encarado por toda a comunidade esportiva como reconciliatório e em homenagem à paz mundial. Se não o fosse, a única alternativa seria considerá-lo uma enorme provocação aos americanos.

Os 5.151 atletas, representando noventa e três países, estavam prontos para disputar vinte e uma modalidades esportivas, nos Jogos que aposentaram a pista de atletismo com solo de carvão (o piso sintético foi usado pela primeira vez) e a cronometragem manual, além de introduzir a vara de fibra de vidro no Salto com Vara.

Outra inovação, que na verdade dava sequência ao que ocorrera em Roma-60, foi a transmissão do evento por satélite para outros continentes. Foi a primeira vez em que um programa de televisão cruzou, ao vivo, o Oceano Pacífico.

No campo esportivo, os Jogos de Tóquio-64 foram responsáveis pela introdução de duas modalidades esportivas em que os japoneses eram muito bons (judô e vôlei) e pelo pentatlo feminino.

OS DESTAQUES NO ESPORTE

Diante do crescimento das tensões políticas entre URSS e EUA, os americanos consideraram fundamental vencer os Jogos de Tóquio-64. Nas duas edições anteriores (Melbourne-56 e Roma-60) haviam sido derrotados pelos soviéticos. E, na capital japonesa, partiram para o ataque de maneira feroz.

Um dos atletas que surpreenderam a comunidade esportiva foi William “Billy” Mills. O americano estava inscrito na prova considerada a maior barbada para os fundistas africanos, os 10 mil metros. Tanto que até os metros finais, os líderes eram um etíope (Mamo Wolde) e um tunisiano (Mohamad Gammoudi). Mas Mills, nascido em uma reserva indígena, na Dakota do Sul, e dono de um preparo físico invejável, ultrapassou a ambos e conquistou a medalha de ouro.

Na prova mais nobre e importante do Atletismo, Robert “Bob” Hayes estabeleceu novo parâmetro para os 100m. Na final, cravou 10 segundos, dois décimos à frente dos demais competidores. As más línguas dizem que Hayes foi favorecido pelo vento. Ganhou a medalha de ouro e também ajudou o país a conquistar outra. No revezamento 4x100m livres, Hayes recebeu o bastão em 5º lugar. Ultrapassou poloneses e franceses e cruzou a linha de chegada em 1º. Medalha de ouro.

Na Maratona, o etíope Abebe Bikila tornou-se bicampeão olímpico, chegando quatro minutos à frente do 2º colocado, o britânico Basil Heatley. Dois detalhes nessa vitória de Bikila: ele correu calçado (por exigência dos organizadores) e apenas quarenta dias após realizar uma cirurgia de apêndice. Estabeleceu novo recorde mundial (2h12’12”) e passou a ser reconhecido pela imprensa especializada como o “maior maratonista da história”.

Outro atleta que não pertencia nem aos EUA nem à URSS protagonizou dose dupla em duas provas de meio-fundo: o neozelandês Peter Snell conquistou a medalha de ouro nos 800m e nos 1.500m e, para muitos, foi o maior de todos os meio-fundistas.

Entre as mulheres, os EUA levaram a melhor na prova dos 100m. Wyomia Tyus, de apenas 19 anos, conquistou a medalha de ouro, iniciando em Tóquio uma belíssima trajetória no esporte.

No revezamento 4x100m, a polonesa Irena Kirszentein conquistou o ouro. Além dessa medalha, levou a prata nos 200m livres e no Salto em Distância. Irena ficaria famosa por ganhar dez campeonatos europeus, ter quebrado doze recordes mundiais e disputado cinco olimpíadas! Só não ganhou medalha na última (Moscou-1980), quando já estava com 34 anos. Um assombro.

A nadadora australiana Dawn Fraser foi a primeira atleta a conquistar a medalha de ouro consecutiva na mesma prova, em três olimpíadas. Nos 100m livres, Fraser (cujo primeiro nome quer dizer “madrugada”, em português) ganhou a prova em Melbourne-56, Roma-60 e em Tóquio-64.

No masculino, o destaque da natação foi o americano Don Schollander, que levou para casa quatro medalhas de ouro. Se tivesse sido selecionado para integrar a equipe no revezamento 4x100m medley seriam cinco, já que os americanos saíram-se vitoriosos.

Alguns fatos marcaram os Jogos de Tóquio. Além da comoção que tomou conta do estádio quando o jovem japonês entrou com a tocha olímpica, na cerimônia de abertura, um episódio emocionou o público presente na Marcha de 20 km. Kenneth Matthews, da Grã-Bretanha, liderava a prova. Ao entrar na reta de chegada, tinha um minuto e meio de vantagem sobre o segundo colocado. Certo da vitória que se aproximava, passou a mandar beijos para a mulher, que estava nas tribunas do estádio olímpico. Sem conter a emoção, ela desceu até a pista de atletismo, driblou os seguranças e se jogou sobre o marido. Abraçados, foram ovacionados pela platéia presente. E, abraçados, deram a volta olímpica para celebrar a medalha de ouro.

O judô, introduzido naqueles jogos e tido como medalha garantida para os japoneses, foi responsável por uma grande surpresa. Os japoneses realmente ganharam todas as lutas, em todas as categorias. Menos, a mais importante. Na dos pesados, o campeão foi um holandês. Anton Geesink derrotou o tricampeão japonês Akio Kaminaga na final e levou o ouro.

No vôlei, o time feminino do Japão confirmou a fama e conquistou a primeira medalha de ouro na história olímpica desse esporte.

O fenômeno soviético Larissa Latynina encerrou sua carreira olímpica com duas medalhas de ouro: solo e geral por equipes – ambas pela terceira vez consecutiva. Com isso, somou dezoito medalhas e tornou-se a maior campeã olímpica de todos os tempos. Só seria ultrapassada quarenta e quatro anos depois (Jogos de Pequim-2008), pelo nadador americano Michael Phelps, que conquistou a décima-nona. Quatro anos depois, na terceira Olimpíada (Londres-2012), Phelps concluiu sua história com o recorde de 21 medalhas.

Ao final dos Jogos de Tóquio-64, os soviéticos tinham acumulado 96 medalhas, contra 90 dos americanos. Mas estes conquistaram mais medalhas de ouro (36 a 30) e terminaram em 1º lugar.

O BRASIL NOS JOGOS DE TÓQUIO-64 (10/06 a 24/06)

Pra começar, 1964 marca o início do período de sombras em nosso país. Em março daquele ano, tropas do Exército depuseram o então presidente João Goulart e consumaram o golpe. A partir daí e por 21 anos, o Brasil respiraria a ditadura militar.

Nesse novo cenário, o Brasil levou ao Japão uma delegação menor do que na Olimpíada anterior, mas com alguns nomes importantes do esporte nacional. Integravam a delegação 68 atletas (67 homens e uma mulher), que disputariam onze modalidades – em ordem alfabética: atletismo, basquete, boxe, futebol, hipismo, saltos judô, natação, pentatlo moderno, polo-aquático, vela e vôlei.

A única mulher enviada a Tóquio foi Aída dos Santos. Obteve sua classificação às vésperas dos Jogos e viajou para disputar a prova do Salto em Altura sem nenhuma estrutura. Não tinha técnico, não tinha material para competição (incluindo tênis) e, cúmulo do desrespeito, não tinha sequer uniforme disponível para a cerimônia de abertura dos Jogos.

Ao chegar em Tóquio, Aída, isolada do resto da delegação brasileira, descobriu que seu nome não constava da lista dos atletas brasileiros. Sem falar inglês, a filha de lavadeira, negra e única sul-americana presente aos Jogos conseguiu preencher a ficha de inscrição.

Acostumada a enfrentar o cotidiano na raça, Aída classificou-se por méritos próprios. Perdida entre milhares de estrangeiros e diversos idiomas, não era capaz de entender as orientações em inglês, muito menos em japonês. Aos 27 anos, transformou-se na primeira atleta do Brasil a disputar uma final olímpica e terminou em quarto lugar, ao saltar 1,74m. Detalhe: Aída competiu com uma sapatilha emprestada de um corredor cubano.

Aída dos Santos só foi receber um agradecimento especial 45 anos mais tarde, e, ainda assim, de fora. Em 2009, o COI (Comitê Olímpico Internacional) ofereceu a ela o “Diploma Mundial Mulher e Esporte”. Dos dirigentes (dirigentes?!) do próprio país, Aída recebeu alguns tapinhas nas costas.

Nos esportes coletivos, mais uma vez o basquete conquistava uma medalha – na verdade, a única do país, de bronze. E com merecimento: das nove partidas que disputou, a Seleção Brasileira perdeu apenas três. Estados Unidos e União Soviética levaram primeiro e segundo lugares, respectivamente. O segredo do sucesso brasileiro certamente foi a mescla da experiência dos veteranos com a disposição dos novos talentos. O time era treinado por Kanela e muito parecido com o que disputou os Jogos de Roma-60. A espinha dorsal tinha Amaury, Mosquito, Rosa Branca, Jathyr, Edson Bispo, Súcar e Wlamir (porta-bandeira na cerimônia de abertura); e os novatos Ubiratan, Friedrich Wilhelm Braun, Victor Mirschawka, Sérgio Machado e Edvar Simões. O Brasil fez boa campanha: em nove confrontos, venceu seis e perdeu três. Na disputa do bronze, Brasil 67, Porto Rico 60.

No cenário nacional, os Jogos de Tóquio-64 apresentaram outros nomes que contribuiriam decisivamente para a evolução de alguns esportes em nosso país. O Judô havia levado Lhofei Shiozawa, quinto colocado na categoria peso Médio (até 80-kg). O Vôlei conquistou a sétima colocação. Carlos Nuzman, antes de se perder na política, ajudou o vôlei brasileiro a dar um salto em termos mundiais, nos anos 1980. Ele era um dos integrantes da equipe em Tóquio, que contava ainda com João Cláudio, José da Costa, Hamilton, Newton, Carlos Feitosa, Volpi, José de Oliveira Ramalho, Décio e Victor. No Hipismo, Nelson Pessoa (pai de Rodrigo Pessoa) ficou com o 5º lugar na prova individual de saltos.

O futebol – que até hoje não conseguiu ser campeão olímpico – foi comandado por Vicente Feola, técnico campeão do mundo em 1958, com Pelé, Didi, Garrincha e cia.. Mas a Seleção Brasileira olímpica não passou da primeira fase, em um grupo que tinha a fortíssima Tchecoslováquia e as fracas República Árabe Unida e Coréia do Sul. O título foi decidido entre as seleções da Iugoslávia e da Romênia, ambas comunistas. E a medalha de ouro ficou com os romenos: 3×0.

No quadro geral final de medalhas, o Brasil ficou em 35º (último lugar), juntamente com mais seis países, todos com uma medalha de bronze.

Quando: 10/10/1964 a 24/10/1964

Países participantes: 93

Atletas: 5151 (masculino: 4473; feminino: 678)

Total de modalidades: 21

Total de medalhas distribuídas: 504

Participação do Brasil: 35º lugar

MEDALHA BRASILEIRA

Modalidade: Basquete

Prova: Masculino

Atletas: Amaury Antônio Pasos, Antônio Salvador Sucar, Carlos Domingo Massoni, Carmo de Souza, Edson Bispo dos Santos, Friedrich Wilhelm Braun, Jatyr Eduardo Schall, José Edvar Simões, Sérgio de Toledo Machado, Ubiratan Pereira Maciel, VictorMirshawska, Wlamir Marques.

Resultado: Medalha de bronze

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