Por Hélio Alcântara

Depois de ter lançado ao mundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, a ONU (Organização das Nações Unidas) realizava, afinal, a sua primeira reunião. O palco foi Nova York, sede permanente da entidade. A própria ONU era uma tentativa de regulamentar o comportamento político-militar dos países, evitando que cada um fizesse o que bem entendesse – como ocorrera nos dois grandes conflitos anteriores. Aos poucos, o planeta se recuperava da miséria deixada pela II Guerra Mundial.

Em um cenário de incertezas e de ações extremamente cuidadosas, os países se prepararam para disputar os Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952. Japão e Alemanha eram, aos poucos, aceitos pelo resto do mundo. Como parte dessa aceitação gradual, ambos foram convidados e aceitaram participar dos Jogos. A União Soviética também. E Israel foi acolhido como país independente.

Foi a primeira vez em que a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) disputou uma olimpíada como bloco, reunindo os países socialistas sob sua mão pesada. A imagem dos atletas perfilados ou marchando como soldados é marcante. Disciplina rígida e treinos diários massacrantes fizeram dos atletas do bloco socialista verdadeiras máquinas de conquistar medalhas.

Outra imagem emblemática, especialmente para quem disputou e/ou documentou aquela edição dos Jogos, é o retrato gigante do ditador soviético Joseph Stalin pendurado em uma das sacadas do prédio da delegação búlgara, na Vila Olímpica. (fonte/foto: Olympic Games through a lens, da editora Time Out Guides, de Londres.)

Construído e preparado para receber os Jogos Olímpicos de 1940, o Estádio Olímpico de Helsinque havia ficado pronto em 1938. Mas, com a eclosão da guerra, teve de esperar quatorze anos para ser palco da abertura dos Jogos. Em 1952, com capacidade para 70 mil pessoas, ele estava pronto para receber as competições de futebol, hipismo e atletismo, além das cerimônias de abertura e de encerramento.

A pira olímpica foi acesa por dois atletas finlandeses famosos em seu próprio país: Paavo Nurmi e Hannes Kolehmainen. Juntos, eles haviam conquistado treze medalhas de ouro em provas de longa distância no atletismo.

A atmosfera dos Jogos era cordial. Mas houve pelo menos um episódio que incomodou a organização. Contrariando a premissa teimosa e irreal do Barão de Coubertin, de que esporte e política não deveriam se misturar, Helsinque-52 foi utilizado politicamente pela estudante alemã Barbara Rotraut-Pleyel, de 28 anos. Ela invadiu o gramado do estádio olímpico, tomou o microfone e saudou o público presente, em finlandês: “Queridos amigos!” Antes que pudesse continuar, foi retirada pelos seguranças de plantão. A mensagem de Barbara, que era pacifista, não podia ser mais clara: referia-se ao país natal, então recém-dividido pela guerra. A estudante queria a unificação da Alemanha, que até os Jogos de Seul competiria como dois países: Alemanha Ocidental (capitalista) e Alemanha Oriental (comunista). A bordo de sua beleza e simpatia, Barbara cativou a imprensa do mundo todo e pode dar seu recado ao planeta tranquilamente. De quebra, ganhou um apelido: “Anjo da Paz”.

DESTAQUES  DOS JOGOS DE HELSINQUE-52

O tcheco Emil Zatopek atacou novamente nessa olimpíada. Ganhou os 10 mil metros, os 5 mil metros e também a maratona. Desempenho surpreendente e incomparável. Em outras palavras, varreu seus adversários.

Barbara Jones (EUA), aos 15 anos e 123 dias, tornou-se a mulher mais jovem a conquistar uma medalha de ouro no atletismo. Foi na prova do revezamento 4×100 metros.

Em termos “quase” simbólicos, a prova dos 3 mil metros com obstáculos (atletismo) ganhou contornos de espionagem política. Frente a frente estavam Horace Ashenfelter, dos EUA, e Vladimir Kosansev, da URSS. O americano pertencia aos quadros do FBI (a polícia federal dos EUA); Kosansev era da polícia moscovita. E Ashenfelter chegou em primeiro.

Na natação, Jean Boiteaux conquistou a primeira medalha de ouro da França na modalidade. Ao final da prova dos 400 metros nado livre, teve a companhia do próprio pai, que se jogou na piscina para celebrar o feito.

Mariya Gorokhovskaya personificou e ratificou a fama da União Soviética de melhor time da ginástica mundial. Mariya conquistou duas medalhas de ouro e cinco de prata nas provas em que participou. Com isso, estabeleceu um recorde: a única mulher a ganhar o maior número de medalhas em uma única edição dos Jogos Olímpicos. Até Seul-1988, a equipe feminina de ginástica da URSS não teve adversários – a exceção foi Los Angeles-1984, mas, provavelmente, apenas porque o país boicotou os Jogos.

O BRASIL EM HELSINQUE-52

A grande sensação brasileira dos Jogos de Helsinque-52 foi Adhemar Ferreira da Silva. Por méritos próprios. Chegou à Finlândia como recordista mundial do salto triplo (16,01 m) e saiu de lá com a primeira medalha de ouro conquistada por um atleta brasileiro. Tinha 24 anos, era funcionário público (trabalhava na Prefeitura de São Paulo) e já havia disputado sua primeira olimpíada, quatro anos antes (Londres-48). Trabalhava o dia todo e estudava à noite. Treinava na hora do almoço.

Adhemar não precisava treinar que nem louco – tinha o dom, havia nascido para ser campeão do mundo. Mesmo assim, enfrentou dissabores e desrespeito, certamente, também por ser negro. Certa vez, já campeão olímpico, foi ao Chile disputar o Sul-Americano. Na volta, recebeu seu cheque com um salário menor. Quando quis saber o motivo dos descontos, ouviu do então prefeito da cidade, um infeliz e já anacrônico Jânio Quadros: “a Prefeitura é lugar para funcionários, e não de esportistas vagabundos.” Os dias em que estava no Chile – e, portanto, não foi trabalhar – foram descontados.

Mas Adhemar era um ser humano mais vasto. Escultor, advogado, professor de Educação Física, jornalista, relações públicas e… poliglota. Nos Jogos de Helsinque-52, por exemplo, cativou a torcida finlandesa ao dedilhar no violão e cantar uma canção folclórica antes de sua participação na competição. Depois de estabelecer novo recorde mundial, com incríveis 16,22 m, e conquistar a medalha de ouro, ganhou um bolo de presente da cozinheira da Vila Olímpica. Feliz da vida, desembarcou em São Paulo cheio de homenagens. Uma delas teve de recusar, para tristeza de sua mãe, lavadeira: uma casa, que havia sido presenteada pelo público depois de uma “vaquinha pública” iniciada pelo jornal “A Gazeta Esportiva”, de São Paulo. Para não se transformar em atleta profissional, Adhemar recusou o presente, continuou trabalhando na Prefeitura  e se preparou para os Jogos Olímpicos de Melbourne, que ocorreriam quatro anos mais tarde e onde ele conquistaria o bicampeonato olímpico.

CURIOSIDADES ENVOLVENDO BRASILEIROS

Os Jogos de Helsinque-52 assistiram a dois “nascimentos”: um, que teria desdobramentos mundiais e seria seguido por todos, e, outro, de importância apenas doméstica. A volta olímpica foi criada por Adhemar Ferreira da Silva, que quis retribuir o carinho da torcida finlandesa presente ao estádio. Para agradecer “a todos e de perto”, o atleta brasileiro deu a volta na pista de atletismo, saudando a plateia, ao final da prova do salto triplo e da confirmação da medalha de ouro e dos recordes olímpico e mundial.

O outro “nascimento” foi o do futebol brasileiro, que disputou uma olimpíada pela primeira vez. Até hoje, dono de cinco títulos mundiais no profissionalismo, não ganhou a medalha de ouro.

O Brasil também obteve ótimo desempenho na prova do salto em altura, com José Telles da Conceição (1,98m, novo recorde sul-americano e medalha de bronze), e na natação (1.500m livre), com a medalha de bronze conquistada por Tetsuo Okamoto. Mas ambos acabaram ofuscados pelo desempenho e carisma de Adhemar Ferreira da Silva.

No quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos de Helsinque-52, os Estados Unidos ficaram em 1º lugar, com um total de 76 medalhas (40 de ouro). A União Soviética ficou em 2º, com 71 medalhas (22 de ouro), e a Hungria, em 3º, com 42 medalhas no total (16 de ouro).

O Brasil ficou em 24º lugar, com 3 medalhas: uma de ouro e duas de bronze. O melhor país sul-americano classificado na edição de 1952 foi a Argentina, que conquistou 5 medalhas (1 ouro, 2 pratas, 2 bronzes) e acabou em 19º lugar.

 

Quando: 19/07/1952 a 03/08/1952

Países participantes: 69

Atletas: 4955 (masculino: 4436; feminino: 519)

Total de modalidades: 19

Total de medalhas distribuídas: 459

Participação do Brasil: 24º lugar

 

MEDALHAS BRASILEIRAS

Modalidade: Atletismo

Prova: Salto triplo masculino

Atleta: Adhemar Ferreira da Silva

Resultado: Medalha de Ouro

 

Modalidade: Atletismo

Prova: Salto em altura masculino

Atleta: José Telles da Conceição

Resultado: Medalha de bronze

 

Modalidade: Natação

Prova: 1.500m livre masculino

Atleta: Tetsuo Okamoto

Resultado: Medalha de bronze

 

 

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