Por Hélio Alcântara,
A Primeira Guerra Mundial (1914-18) havia terminado apenas dois anos antes. A Europa encontrava-se em uma situação bastante difícil e o cenário era naturalmente de destruição. Realizar os Jogos Olímpicos não parecia uma boa ideia.
Mas, depois do cancelamento em 1916, exatamente por causa da guerra, a maioria dos países queria participar dos Jogos com a intenção de não se curvar ao terror da guerra e enaltecer a importância da convivência entre os povos por meio do esporte. “Contraditoriamente” – ainda que com as feridas do ressentimento abertas –, porém, os belgas impuseram uma condição para sediar o evento: a não convocação de Áustria, Alemanha, Bulgária, Hungria e Turquia, países que na guerra estavam do “outro lado” e acabaram derrotados. Foram atendidos.
Sem muito dinheiro disponível, os organizadores dos Jogos construíram algumas instalações para a disputa das competições. Mas foi tudo na base do improviso, a começar pela hospedagem: inúmeros atletas foram recebidos por famílias, em suas próprias casas. E, para a competição propriamente dita, alguns locais não apresentavam as melhores condições. Um bom exemplo foi a pista de atletismo, que acabou se transformando em um “símbolo” desse improviso: ela tinha falhas e não podia ser usada quando chovia.
Os Jogos da Antuérpia só se tornaram realidade porque duas categorias de “empresários” se uniram, oferecendo dinheiro: vendedores de diamantes e armadores navais.
Apesar de todos os percalços, essa edição dos Jogos Olímpicos apresentou várias novidades no âmbito esportivo. Foi a primeira vez em que se fez o juramento do atleta olímpico. Mas, por causa da guerra recém-terminada, houve uma alteração na parte final do texto. Em vez de “Em nome de todos os competidores, prometo que participaremos nestes Jogos Olímpicos respeitando e cumprindo suas regras, com verdadeiro espírito esportivo, para maior glória do esporte e honra de nossos países”, as últimas duas palavras foram substituídas por “nossas equipes”.
A Nova Zelândia fez sua estreia na competição como país independente e pôde ver sua bandeira tremular – longe dos australianos, com quem vinham competindo como “equipe combinada”.
Foi a primeira vez também que surgiu a bandeira olímpica, com os cinco anéis coloridos e entrelaçados (representando os cinco continentes) sobre fundo branco. Na cerimônia de abertura, outra novidade: pombas brancas foram soltas, como símbolo da paz mundial.
É preciso lembrar que naquela época o transporte era difícil e vagaroso, e a competição se arrastava por meses. Os Jogos Olímpicos da Antuérpia tiveram duração de quase cinco meses, começando em 20 de abril e terminando em 12 de setembro de 1920.
OS DESTAQUES DOS JOGOS
Dois mil, seiscentos e vinte e seis atletas representaram 29 países nos Jogos da Antuérpia. E os ricos americanos saíram-se melhor na disputa dos 24 esportes. A nadadora Ethelda Bleibtrey foi destaque: ganhou três medalhas de ouro nas três provas de Natação que disputou. De quebra, estabeleceu novo recorde mundial nas três.
Entre os homens, o americano nascido no Havaí Duke Kahanamoku ganhou o ouro nos 100m nado livre e no Revezamento 4x200m.
Os EUA conquistaram um total de 95 medalhas (41 de ouro) e foram os campeões dos Jogos da Antuérpia. A Suécia ficou em 2º lugar, com 64 medalhas no total e 19 de ouro. E, em terceiro, a Grã-Bretanha, com 43 medalhas, sendo 15 de ouro.
As provas de meio-fundo e fundo do Atletismo foram dominadas por britânicos e finlandeses. Os primeiros venceram os 800m, os 1.500m (Albert Hill ganhou o ouro nas duas, aos 31 anos de idade), os 3.000m com barreiras e o Revezamento 4x400m.
Os finlandeses, que ficariam conhecidos mundialmente como “finlandeses voadores”, tinham em sua equipe o fenômeno Paavo Nurmi – ele ganhou três medalhas de ouro. A Finlândia dominava as provas entre os 1.500m e os 20km na época, e Nurmi acabaria conquistando um total de nove medalhas de ouro olímpicas em sua carreira, o que o coloca entre os maiores de todos os tempos.
No Tênis Feminino, na época em que as mulheres entravam em quadra com vestidos que iam até abaixo dos joelhos e chapéus e, dessa forma, disputavam os jogos, a francesa Suzanne Lenglen dominou a competição. Lenglen levou as medalhas de ouro no Feminino Simples e nas Duplas Mistas e bronze nas Duplas Femininas.
Na Esgrima, outro fenômeno esteve presente nos Jogos da Antuérpia-1920: Nedo Nadi, da Itália, ganhou cinco medalhas de ouro das seis que foram disputadas. Até hoje é o único a fazê-lo.
O BRASIL NOS JOGOS
Pelas condições da viagem, pela falta de apoio e a diferença técnica entre os competidores, podemos afirmar que o saldo da participação dos atletas brasileiros nos Jogos da Antuérpia-1920 foi extremamente positivo.
A equipe do Brasil era composta por 29 atletas, todos homens e distribuídos por quatro modalidades esportivas: Natação, Remo, Polo-Aquático e Tiro. Mas eram atletas amadores – ninguém vivia do esporte. Sempre que havia uma competição fora da cidade em que trabalhavam, era preciso pedir autorização aos patrões para se ausentarem do ofício e participar das provas.
O COB-Comitê Olímpico Brasileiro havia sido fundado em 1914, mas não organizou a viagem. Aliás, o grupo de atletas se uniu para produzir a viagem, que se revelaria tumultuada e improvisada. A entidade que os representou formalmente foi a CBD-Confederação Brasileira de Desportos, mas, de novo, quem pagou as despesas de ida foram os próprios atletas.
A delegação embarcou em um navio-cargueiro, sem ter ideia de que, na verdade, estava embarcando em uma grande “aventura”. As cabines eram minúsculas e mal ventiladas – impossível dormir ali. O grupo, então, negociou com o comando do navio para dormir no bar. Por aí, podemos ter ideia de como eram as cabines do cargueiro…
A única exigência era quanto ao “horário de entrada e de saída” – os atletas só poderiam se instalar para cair no sono assim que o último cliente do bar saísse. E teriam de se levantar antes que chegasse o primeiro cliente, na manhã seguinte. Esse “acordo” é relatado por um dos atletas do Tiro, no livro “Heróis Olímpicos Brasileiros” (Ed. Zouk, São Paulo, 2004), da professora e pesquisadora Katia Rubio.
Os atletas brasileiros não tinham como treinar dentro do navio-cargueiro. Não havia piscina e nem lugar apropriado para se colocar os alvos de tiros – aliás, ainda que houvesse esse lugar, como praticar “tiro ao alvo” em um meio de transporte que se movimentava sobre o oceano? Entre os nadadores e os remadores, a mesma coisa – não havia piscina no navio-cargueiro.
A distância técnica e de preparação entre os brasileiros e europeus e/ou americanos, já grande, começava a aumentar a partir daí. Mas outros problemas estavam a caminho.
Quando o navio fez escala na Ilha da Madeira (Portugal), os atletas ficaram sabendo que a chegada à Antuérpia, na Bélgica, estava prevista para o dia 5 de agosto – ou seja, duas semanas após a data marcada para a disputa das provas.
Sem alternativas e sem saber que os eventos haviam sido postergados, a delegação desceu do cargueiro e decidiu seguir de trem até a Bélgica. Mas assim que passaram pela Alfândega, tiveram seus “instrumentos de competição” confiscados. Como convencer os policiais de que aquele bando de brasileiros fortemente armados (e com muita munição) seguia para uma competição?! Especialmente, depois de os europeus terem vivido uma guerra sangrenta durante quatro anos e que havia terminado apenas dois anos antes. De qualquer modo, cada competidor manteve uma arma consigo.
Conseguiram chegar a Bruxelas. E foram roubados. Seguiram viagem e alcançaram a Antuérpia – mas já estavam atrasados. Na Antuérpia viram-se sem a ajuda financeira prometida pelo governo brasileiro, ainda em terras tupiniquins. Pediram, então, socorro ao cônsul brasileiro na Antuérpia, que acabou bancando alimentação e hospedagem dos atletas.
Ainda faltava chegar a Baverloo, campo de treinamento do Exército belga. E, para não perder ainda mais tempo – não havia transporte –, fizeram o percurso final (alguns quilômetros) a pé. Pode-se imaginar isso atualmente? Atletas sem transporte caminhando quilômetros para chegar ao local da prova?
Chegaram e, cansados, instalaram-se no acampamento. Os melhores lugares, porém, já haviam sido ocupados pelas demais delegações. De repente, sentiram “saudades” do bar do navio-cargueiro… Na hora de treinar, com pouquíssima munição, os atletas do Tiro conseguiram material emprestado com os americanos.
Dos cinco esportes em que o Brasil participou, apenas os atletas do Tiro saíram-se bem. Natação, Polo-Aquático, Remo e Saltos Ornamentais não nos rendeu nenhuma medalha, o que não chegava a ser surpresa. Afinal, as condições de treinamento no Brasil eram amadoras. Guilherme Paranaense, tenente do exército brasileiro, venceu a prova de Tiro Rápido (ou Pistola de Velocidade) e transformou-se no primeiro atleta sul-americano a conquistar a medalha de ouro.
Afrânio da Costa conquistou a prata no individual de Pistola Livre. E, na mesma categoria, por equipes, o quinteto brasileiro (Afrânio da Costa, Dario Barbosa, Fernando Soledade, Guilherme Paraense e Sebastião Wolf) levou a medalha de bronze. Um sucesso!
O Brasil terminou a competição em 15º lugar, com três medalhas (uma de ouro, uma de prata e uma de bronze), à frente de sete países, a saber: Austrália, Japão, Espanha, Grécia, Luxemburgo, Tchecoslováquia e Nova Zelândia.
Quando: 20/04/1920 a 12/09/1920
Países participantes: 29
Total de atletas: 2626 (masc: 2561 fem: 65)
Participação do Brasil: 15º lugar
Total de modalidades: 23
Total de medalhas distribuídas: 439
MEDALHAS BRASILEIRAS
Modalidade: Tiro Esportivo
Prova: Tiro rápido (25m) masculino
Atleta: Guilherme Paraense
Resultado: Medalha de ouro
Modalidade: Tiro Esportivo
Prova: Pistola livre (50m) masculino
Atleta: Afrânio Costa
Resultado: Medalha de Prata
Modalidade: Tiro Esportivo
Prova: Pistola livre por equipe masculino
Atletas: Afrânio Costa, Dario Barbosa, Fernando Soledade, Guilherme Paraense e Sebastião Wolf
Resultado: Medalha de Bronze