Por Hélio Alcântara

A escolha de Roma para sediar os Jogos Olímpicos de 1960 tem origem no início do século XX, quando a “cidade eterna” foi escolhida para receber os Jogos de 1908. Com a erupção do vulcão Vesúvio, em 1906, o dinheiro que seria utilizado na organização da olimpíada foi gasto para ajudar no atendimento às vítimas da tragédia natural. E os Jogos escaparam das mãos dos romanos.

Quando, afinal, em 1960, tiveram a oportunidade real de sediar o evento, os organizadores capricharam. E gastaram. Há uma estimativa de que foram despejados 45 milhões de dólares na construção, entre outras edificações, da maior vila olímpica até então, do velódromo para 20 mil espectadores e de um ginásio com ar-condicionado com capacidade para 16 mil pessoas.

Em 1960, o cenário mundial exibia alguns saltos no âmbito tecnológico. O mais significativo talvez tenha sido o envio de um satélite artificial para o espaço, diante de um planeta absolutamente boquiaberto. A “guerra fria” entre Estados Unidos e União Soviética ganhara um ingrediente mais visível e interessante: a corrida espacial. Os soviéticos foram mais rápidos e lançaram o “Sputnik”. Logo depois, os americanos mandaram para o espaço o “Tiros 1”, satélite meteorológico.

No continente africano, vários países declararam-se independentes, como Camarões, Costa do Marfim, Congo, Gabão e Nigéria, entre outros. Esse sopro inicial de “liberdade” teria reflexos nas pistas de atletismo principalmente.

Enquanto os atletas negros iniciavam o domínio no atletismo e no pugilismo, enfrentando atletas de raças diversas, a África do Sul navegava em mares opostos, intensificando o “Apartheid”, política de segregação racial que incluía o esporte naturalmente. A intransigência e truculência do governo sul-africano acabariam por determinar a exclusão do país da chamada “família olímpica”. Depois dos Jogos de Roma, o COI (Comitê Olímpico Internacional) decidiu vetar a presença dos atletas sul-africanos em olimpíadas – podemos dizer que durante mais de trinta anos o planeta foi impedido de assistir ao desempenho dos atletas daquele país – pelo menos três gerações experimentaram a frustração de não poder competir em olimpíadas.

A evolução tecnológica nas transmissões de TV também era evidente. Os Jogos de Roma foram os primeiros a ter cobertura ao vivo para dezoito países da Europa. Estados Unidos, Canadá e Japão assistiram ao evento com atraso de algumas horas, já que as fitas eram enviadas a esses países por avião.

Sem dúvida, os organizadores italianos sabiam ter um grande trunfo nas mãos. E decidiram usar a História para cravar na alma dos competidores e dos espectadores a aura de “jogos inesquecíveis”. Definiram monumentos históricos como palco de inúmeras competições. As provas de levantamento de peso, por exemplo, foram realizadas na Basílica de Maxêncio; as de ginástica nas Termas de Caracalla; e a chegada da Maratona no Arco de Constantino, monumento em homenagem ao primeiro imperador cristão de Roma.

Dando sequência ao formato estabelecido em Los Angeles-32, a disputa dos Jogos se concentrou no período de 25 de agosto a 11 de setembro. Na cerimônia de abertura, no Estádio Olímpico, 5.348 atletas (611 deles mulheres) de 83 países estavam inscritos para disputar dezessete esportes.

Aquela era uma oportunidade de ouro para os italianos mostrarem ao planeta imagens representativas de uma das histórias mais ricas de todos os povos. E, entre os monumentos selecionados, o Arco de Constantino foi o que talvez tenha chamado mais atenção, especialmente depois que um atleta africano correndo descalço o cruzou para vencer a Maratona.

O nome dele era Abebe Bikila. Tinha nascido na Etiópia, um dos países mais pobres do continente africano e era soldado da guarda imperial etíope. Bikila foi ridicularizado por pessoas comuns e por grande parte da imprensa, especialmente pelos jornalistas que não o conheciam e consideravam impossível concluir os 42,195 km de distância da Maratona sem tênis. O atleta etíope não só completou a prova como a venceu, conquistando a medalha de ouro.

Além da vitória, protagonizou (sem querer?) uma das cenas mais simbólicas do binômio Esporte-História que o COI (Comitê Olímpico Internacional) insiste em tentar separar desde sempre. Bikila iniciou seu “sprint” exatamente em frente ao Obelisco de Axum, monumento que fora roubado de seu país pelos soldados de Benito Mussolini, em 1937. O “protesto involuntário” do corredor etíope ganhou ares de beleza e de “ironia histórica”. Nos quilômetros finais da prova, já noite, o trajeto percorrido pelos atletas foi iluminado por tochas de fogo. E, na chegada, um vitorioso Bikila cruzou o Arco de Constantino – local onde Mussolini havia concentrado suas tropas para partir em direção à Abissínia (antigo nome da Etiópia) e conquistá-la, no final de 1935.

Os Jogos de Roma foram palco de novidades fora e dentro das competições. Os atletas negros de vários países, por exemplo, surgiram com presença marcante e ganharam boa parte das modalidades em que estavam envolvidos. Os africanos se destacaram principalmente nas provas de fundo do atletismo. Mas ofereceram também o ganense Clement Quartey, pugilista meio-médio ligeiro.

A atleta negra Wilma Rudolph, de apenas 20 anos, transformou-se em espetáculo e conquistou a medalha de ouro nos 100m, 200m e no revezamento 4x100m. Quatro anos antes, nos Jogos de Melbourne, a então adolescente americana de 16 anos fora uma das quatro integrantes da equipe dos EUA que ganhou o bronze no revezamento 4x100m. Em Roma, Rudolph ficou conhecia como a “gazela negra”.

Nas demais modalidades do atletismo (feminino), a supremacia foi das atletas do Leste Europeu, todas comunistas. Mas tamanha superioridade no Salto em Altura, Lançamento de Disco e de Dardo, Arremesso de Peso e 80 metros com barreiras provocou suspeitas de que as atletas Iolanda Balas (Romênia) e as irmãs soviéticas Tamara Press e Irina Press tomavam hormônios masculinos. Na verdade, elas eram tão masculinizadas que levantaram suspeitas entre organizadores e plateia. Ao término dos Jogos de Roma, as atletas soviéticas tinham vencido seis das dez provas disputadas. E, na ginástica, foi pior: de 16 medalhas de ouro possíveis, 15 foram parar nas mãos das ginastas soviéticas. Diante disso, o COI decidiu implementar um controle maior sobre o sexo das atletas. A intenção era retirar das pistas mulheres com força e resistência de homens – tarefa complexa e polêmica.

Outro atleta negro que surgiu em Roma e, quatro anos mais tarde, assombraria o planeta ao se tornar campeão mundial de boxe profissional foi Cassius Clay, “futuro Muhammad Ali”. O americano tinha apenas dezoito anos quando conquistou a medalha de ouro nos Jogos de Roma, categoria meio-pesados.

Ralph Boston, de 21 anos, foi o atleta responsável por quebrar o recorde mundial do compatriota e também negro Jesse Owens. No Salto em Distância, Boston saltou 8,21 metros, estabelecendo nova marca, após 25 anos de reinado de Owens.

Rafer Johnson, decatleta americano, conquistou a medalha de ouro depois de uma disputa acirrada com seu colega de treino e de universidade (UCLA –Universidade da Califórnia , Los Angeles), Chuan-Kwang Yang, de Formosa. Com sua medalha, contribuiu para que Roma assistisse à confirmação da supremacia da raça negra em algumas modalidades, mais notadamente no atletismo.

Para coroar o êxito dos atletas negros americanos, o time de basquete do país deu um show e, mais uma vez, ganhou a medalha de ouro sem perder uma só partida. O elenco chegou a ser considerado “o melhor time amador de basquete em todos os tempos” – quatro anos antes, em Melbourne, também… E, ratificando essa condição, dez dos doze atletas da equipe olímpica acabaram jogando na NBA (liga de basquete profissional dos EUA), na sequência de suas carreiras.

Mas, apesar das vitórias americanas, a grande campeã dos Jogos Olímpicos de Roma-60 foi a União Soviética, que reunia atletas de vários países – como Romênia, Hungria, Bulgária, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Alemanha Oriental e muitos outros. Uma verdadeira potência olímpica.

Um dos bons exemplos foi o húngaro Aladar Gerevich, na esgrima: ele conseguiu o sexto ouro seguido no sabre por equipes e ajudou a URSS a terminar em 1º lugar no cômputo final geral, com nove medalhas de ouro a mais do que os americanos, segundo colocados (vide quadro de medalhas ao final do texto).

No iatismo e na canoagem, a Escandinávia saiu-se melhor do que seus oponentes: o dinamarquês Paul Elvstrom, da classe Finn, conquistou a quarta medalha de ouro consecutiva na mesma prova; e o sueco Gert Fredriksson ganhou a sexta medalha de ouro.

Após dezessete dias de disputa, chegavam ao fim os Jogos de Roma. A sensação de quem estava lá, como jornalista, voluntário, atleta, técnico ou torcedor era de que eles tinham sido os mais belos e mais bem organizados desde Berlim-36. Os italianos estavam exultantes com o saldo final do evento.

OS BRASILEIROS NOS JOGOS DE ROMA-1960

O basquete brasileiro continuava sua trajetória vitoriosa pelas quadras do planeta, depois do título mundial de 1959. Nos Jogos de Roma-60, o time comandado pelo “linha dura” Kanela e formado por Amaury, Algodão, Wlamir, Mosquito, Rosa Branca, Sucar, Jathyr, Edson, Fernando, Moyses, Waldemar e Waldyr disputou oito jogos e ganhou seis, incluindo a vitória sobre a poderosa União Soviética. Mas na fase final acabou derrotada pelos mesmos soviéticos (prata) e pelos americanos – dourados e imbatíveis. Ficou com a medalha de bronze e a certeza de ser uma das melhores seleções de basquete de todo o mundo. Aliás, naquela época as três melhores seleções do planeta eram exatamente as que terminaram nos três primeiros lugares em Roma: EUA, URSS e Brasil.

Uma curiosidade: “Rosa Branca”, apelido de Carmo de Souza, um dos maiores jogadores de basquete do Brasil, cinco anos antes estava disputando campeonatos colegiais no interior de São Paulo – longe, ainda, de integrar a equipe titular da Seleção Brasileira de Basquetebol que disputaria uma Olimpíada.

Outra medalha importante para o Brasil foi a de bronze conquistada pelo nadador Manoel dos Santos. Por apenas 2 décimos de segundo, Manoel perdeu a medalha de prata para o americano Lance Larson, na prova dos 100m nado livre.

É importante lembrar que naquela época os nadadores disputavam as olimpíadas praticamente “por conta própria”, sem dinheiro nem estrutura adequada para treinamentos – como piscina aquecida. Isso torna a conquista de Manoel dos Santos ainda mais preciosa. Além disso, o fato de a natação brasileira não ter conquistado nenhuma medalha nos Jogos anteriores (Melbourne-56) pesa a favor de Manoel.

Nosso medalhista de bronze em Roma-60 mantinha uma rotina de treinamento que hoje quase provoca risos: uma hora e meia de ginástica, alongamento e quatro mil metros de natação diariamente. Mesmo assim, semanas antes do evento estava bem preparado, sob a tutela técnica de um japonês chamado Hirano que morava em São Paulo. Hirano havia tido contato com a seleção japonesa de natação que visitara o país, em 1950. Dela absorveu boa parte do sistema de treinamento e o aplicou em Manoel dos Santos. Juntos, elaboraram o planejamento para o mês que antecederia a Olimpíada.

Mas ambos toparam com a visão estreita dos dirigentes brasileiros, normalmente e há tempos sempre mais preocupados com os dividendos políticos que as conquistas esportivas possam lhes render no campo do poder. Três semanas antes do início dos Jogos Olímpicos de Roma, Manoel dos Santos foi obrigado a disputar um torneio de natação em Portugal. Chamava-se “Jogos Luso-Brasileiros”, absolutamente sem qualquer importância. Em entrevista à escritora e acadêmica Katia Rubio, o ex-nadador conta que não havia piscina aquecida e fazia muito frio em Lisboa. O resultado de sua participação na competição foi uma amidalite e a ingestão de antibióticos para chegar quase inteiro em Roma. Manoel acha que se não tivesse enfrentado essa inflamação nas amídalas, talvez saísse de lá com uma medalha de cor diferente. Quem sabe?

Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão olímpico nas duas edições anteriores, provavelmente disputou os Jogos de Roma com tuberculose. Mas não o sabia. Seu desempenho, porém, mostrava que algo não estava bem. Além da doença incubada, seus adversários já haviam estudado e desenvolvido os saltos do bicampeão olímpico a ponto de oferecer enorme resistência ao brasileiro. Adhemar não chegou às finais do Salto Triplo, mas viveu uma das maiores emoções de sua vida. Ao caminhar lentamente para deixar a pista, após sua participação, agradeceu aos aplausos. Mas percebeu que algo diferente atravessava a atmosfera do estádio – era como se alguém tivesse estabelecido novo recorde mundial. Ao olhar para trás, notou que a prova havia sido paralisada e atletas e arquibancadas o aplaudiam, numa autêntica ovação. Aquela atitude era o sinal mais claro de respeito ao bicampeão que se retirava da cena olímpica.

O Brasil terminou sua participação nos Jogos de Roma-60 em 39º lugar (juntamente com Ilhas Britânicas Ocidentais), com duas medalhas de bronze. Atrás dos brasileiros, apenas quatro países: Espanha, Iraque, México e Venezuela.

Quando: 25/08/1960 a 11/09/1960

Países participantes: 83

Atletas: 5338 (masculino: 4727; feminino: 611)

Total de modalidades: 19

Total de medalhas distribuídas: 461

Participação do Brasil: 39º lugar

MEDALHAS BRASILEIRAS

Modalidade: Basquete

Prova: Masculino

Atletas: Amaury Antônio Pasos, Antônio Salvador Sucar, Carlos Domingo Massoni, Carmo de Souza, Edson Bispo dos Santos, Eduardo Shall Jatyr, Fernando Pereira de Freitas, Moyses Blas, Waldemar Blatkauskas, Waldyr Geraldo Boccardo, Wlamir Marques e Zenny de Azevedo.

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Natação

Prova: 100m livre masculino

Atleta: Manuel dos Santos Junior

Resultado: Medalha de bronze

 

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