Por Hélio Alcântara,

“Eu fui enviado pela revista “Placar” para contar histórias e o número de medalhas conquistadas pelos brasileiros. E, de repente, me vi contando o número de mortos.” A frase do repórter Michel Laurence é simbólica e representa com precisão o que foram os Jogos de Munique 1972.

Os organizadores dos Jogos tinham uma tarefa extremamente complicada pela frente: “apagar” da memória do planeta a Olimpíada de Berlim-36, realizada trinta e seis anos antes e carimbada como “Os Jogos do Nazismo”, dada à ascensão e confirmação de Hitler no poder e a perseguição, seguida de extermínio, de seis milhões de judeus. A tarefa de tentar “apagar” uma Olimpíada não era simples, especialmente em um mundo que vivia tragédias dos mais variados matizes.

Alguns exemplos. Na África, a Rodésia experimentava acusações sérias de racismo, provocando o boicote da “Organização para a Unidade Africana” aos Jogos de Munique. As ditaduras militares de extrema direita continuavam aterrorizando famílias inteiras na maioria dos países latino-americanos (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, etc.). A Guerra do Vietnã entrava em seu penúltimo ano, diante da constatação americana de que não seriam capazes de derrotar os vietnamitas, enfronhados em suas matas úmidas e repletas de emboscadas e mosquitos. E judeus e árabes viviam a sequência de uma relação que nasceu belicosa. A chamada “confraternização entre os povos” não podia soar mais anacrônica.

Mesmo assim, Munique parecia pronta para sediar os Jogos entre os dias 26 de agosto e 11 de setembro de 1972. No desfile de abertura, no belíssimo Estádio Olímpico, de arquitetura arrojada, com teto de lona transparente e suspensa, a materialização de um recorde inicial: 121 países e 7.134 atletas participantes. A tentativa de celebração da paz pelo menos contava com palco e atmosfera perfeitos. Além do estádio, coroando o gigantismo do evento, a Vila Olímpica tinha capacidade para receber 16 mil pessoas.

Nos primeiros dez dias de evento, os comentários por parte dos torcedores e da imprensa em geral convergiam para uma “excelente organização, uma Olimpíada pacífica e tecnicamente perfeita”. Mas na madrugada de 05 de setembro, a história dos Jogos Olímpicos viveria uma tragédia que transformaria o chamado espírito olímpico em medo, tristeza e ódio.

Cinco terroristas árabes, fortemente armados e disfarçados de atletas, pularam a cerca da Vila Olímpica e invadiram o prédio-alojamento onde se hospedava parte da delegação israelense. Já no momento do arrombamento e diante da resistência encontrada, os terroristas executaram dois atletas. Em seguida, transformaram outros nove em reféns. A partir daí, iniciou-se uma negociação entre os terroristas do “Setembro Negro” (braço armado da OLP-Organização para Libertação da Palestina) e o governo alemão. Os terroristas soltariam os reféns em troca da libertação de integrantes do movimento presos em solo alemão.

A ironia trágica da negociação é que enquanto o governo, o COI e o Comitê Organizador discutiam o que fazer, os Jogos foram paralisados e as emissoras de televisão presentes passaram a cobrir não as provas, e sim a própria negociação. Como a transmissão do evento era ao vivo e as emissoras se esmeravam em noticiar tudo o que pudessem, os próprios terroristas passaram a acompanhar toda a movimentação da polícia pela TV. Sabiam inclusive onde estavam postados estrategicamente os policiais ao redor do alojamento. Era o início de uma atuação patética e desastrada por parte das forças policiais alemãs.

Um dia inteiro se passou, enquanto o mundo assistia atônito ao desenrolar das negociações. Um erro de avaliação cometido pelo então primeiro-ministro alemão, Willy Brandt, não permitiu a intervenção de uma equipe israelense especializada em enfrentar esse tipo de crime – proposta da então premiê de Israel, Golda Meir. Nas horas que se seguiram e até o desfecho da operação, à noite, em um aeroporto de Munique, ficou claro que a polícia alemã não estava preparada para lidar com esse tipo de ataque terrorista. E o saldo final foi a morte dos onze atletas-reféns, cinco terroristas, um policial alemão e o piloto do helicóptero que estava na pista.

Após o massacre, o planeta estava estarrecido. Os repórteres de todo o mundo, como disse Michel Laurence, contavam mortos e feridos e sentiam-se tontos e impotentes diante de tamanha barbárie.

Em meio a uma pesada atmosfera, uma missa foi realizada em pleno Estádio Olímpico, com as bandeiras de todos os países participantes a meio mastro. E, então, uma nova discussão entrou em pauta: os Jogos devem continuar ou não? Trinta e quatro horas depois da paralisação e para espanto dos jornalistas e da maioria das delegações esportivas presentes, os Jogos de Munique continuaram. A frase proferida por Avery Brundage, então presidente do COI-Comitê Olímpico Internacional, soou corajosa, mas também absurda e cruel: “Os Jogos devem continuar”.

O nadador americano Mark Spitz, o mesmo que havia dito que ganharia sete medalhas no México, cumpriu a profecia de quatro anos antes. Conquistou sete medalhas de ouro e estabeleceu sete novos recordes mundiais nas provas de 100m livre, 100m borboleta, 200m livre, 200m borboleta, revezamento 4x100m livre, revezamento 4x200m livre e revezamento 4×100 medley. Um assombro. Como era judeu, Spitz foi retirado às pressas da Vila Olímpica e dos Jogos. O receio era de que sua presença destacada significasse um alvo fácil e desejado.

Com a tragédia ocorrendo dentro da Vila Olímpica, o chamado espírito olímpico foi enterrado definitivamente na história dos Jogos. E, com o próprio Spitz sôfrego por mostrar às câmeras de TV a marca de tênis que o patrocinava, o propalado amadorismo também foi enviado para debaixo da terra.

Nas demais modalidades, Lasse Viren resgatou a tradição da Finlândia nas provas de fundo do Atletismo. Ganhou os 5.000m e os 10.000m – nesta, quebrou o recorde mundial. Nos 100m rasos e nos 200m, Valery Borzov, da URSS, levou a medalha de ouro. Nos 100m, Borzov foi ajudado pela distração do técnico americano Stan Wright, que utilizou uma tabela de horários das provas superada, fazendo com que seus principais atletas (Eddie Hart e Rey Robinson) e favoritos perdessem as quartas-de-final (chegaram ao estádio duas horas depois). No Pentatlo, Mary Peters, da Grã-Bretanha, conquistou o ouro, derrotando a anfitriã Heide Rosenthal.

O grande nome dos Jogos de Munique-72, ao lado de Mark Spitz, foi Olga Korbut. A soviética (nascida na Bielo-Rússia) encantou ao mundo com suas apresentações na Ginástica. Com apenas 17 anos e um carisma quase infantil, Korbut ganhou a medalha de ouro nas provas de solo e na trave, mais um ouro por equipe e prata nas barras assimétricas. Transformou-se em estrela da noite para o dia, como ela mesma disse em entrevistas.

O Basquete masculino apresentou um drama americano. Acostumado à medalha de ouro, os atletas do “melhor basquete do mundo” chegaram à final ostentando a marca invejável de 54 jogos de invencibilidade. Mas, contra os soviéticos, foram derrotados por apenas um ponto, depois de uma decisão polêmica por parte da arbitragem, que decidiu voltar 3 segundos no cronômetro quando este havia sido zerado e os americanos estavam à frente (50×49). Com a nova posse de bola dos soviéticos e uma cesta, o placar final mudou: URSS 51×50 EUA. Na hora da premiação, os atletas americanos não compareceram e se recusaram a receber as medalhas de prata mesmo depois.

O BRASIL NOS JOGOS DE MUNIQUE 1972

A delegação brasileira era composta de 89 atletas – apenas cinco delas eram mulheres –, que disputaram provas em atletismo, basquete, boxe, ciclismo estrada, futebol, hipismo adestramento e saltos, judô, levantamento de peso, natação, remo, tiro esportivo, vela e vôlei. Os Jogos de Munique-72 foram os primeiros a ser transmitidos ao vivo para o Brasil, que pode ver mais uma conquista de Nelson Prudêncio no Salto Triplo. Com 17,05m, o atleta brasileiro conquistou a medalha de bronze. Seu eterno rival, o soviético Viktor Saneyev, saltou 17,35m e ficou com o ouro. Entre os dois, o alemão oriental Joerg Drehmel, com 17,31m.

A outra medalha de bronze conquistada pelo Brasil foi no Judô (categoria meio-pesado). Chiaki Ishii, nascido no Japão e pai de Vânia Ishii (medalha de ouro no Pan de Winnipeg-1999 e prata em Santo Domingo-2003), conquistou o bronze aos 33 anos, juntamente com o alemão Paul Barth. Ele foi um dos grandes responsáveis pela abertura da trilha a ser percorrida por Walter Carmona, Aurélio Miguel e todos os demais judocas brasileiros que disputariam os Jogos a partir daquela data.

A dupla que havia conquistado a medalha de bronze na Vela, nos Jogos do México-68 (Reinaldo Conrad e Burkhard Cordes), chegou em 4º lugar em Munique, na classe flying dutchman. Outra dupla brasileira (Jan Willen Aten e Joerg Bruder) também alcançou o 4º lugar – na classe star.

Na Natação, Sylvio Fiolo chegou em 6º lugar nos 100m peito e integrou a equipe que conseguiu o 5º lugar no revezamento 4x100m medley. Fiolo também estava entre os nadadores que conquistaram o 4º lugar no revezamento 4x100m livre.

Nos esportes coletivos, o futebol brasileiro foi eliminado logo na primeira fase, cumprindo sua sina de nunca chegar ao título. O vôlei masculino ficou em 8º lugar – o futuro técnico Bebeto de Freitas estava entre seus jogadores. E, afinal, o basquete brasileiro vivia um momento de transição, aposentando uma geração e assistindo ao nascimento de outra: terminou em 7º lugar.

O Brasil ficou em 41º lugar na classificação final, ao lado da Etiópia e à frente de apenas seis países: Espanha, Gana, Índia, Jamaica, Niger e Nigéria. Os “dirigentes” brasileiros ainda não haviam compreendido a importância do esporte na vida do país.

(Quadro de medalhas final geral com os três primeiros)

Quando: 26/08/1972 a 11/09/1972

Países participantes: 121

Atletas: 7.134 (masculino: 6.075, feminino: 1.059)

Número de modalidades: 23

Total de medalhas: 600

Participação do Brasil: 41º lugar

MEDALHAS BRASILEIRAS

Modalidade: Atletismo

Prova: Salto triplo masculino

Atleta: Nelson Prudêncio

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Judô

Prova: Meio-pesado masculino

Atleta: Chiaki Ishii

Resultado: Medalha de bronze

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1 Comment

  • yuri rocha arbex 11 anos atrs

    Muitas das conquistas olímpicas brasileiras são reflexos dos esforços individuais de cada atleta, e pouquíssimo investimento/incentivo por parte do governo, na formação dos atletas de alta performance. Tenho a honra e o privilégio de ser aluno do sensei Chiaki Ishii, e fico muito feliz em ver que a memória deste mestre e também do judô brasileiro está sendo perpetuada. Parabéns ao memoriadoesporte.org.br !!!