Por Hélio Alcântara,

Qualquer cidade que fosse a sede dos Jogos Olímpicos no ano de 1976 seria obrigada a conviver com o fantasma dos Jogos de Munique, realizados quatro anos antes. A preocupação extrema com a questão da segurança (16 mil soldados fizeram a segurança do evento no Canadá) e a recusa da parte inglesa de Montreal em ajudar a parte francesa da cidade fizeram com que financeiramente a Olimpíada canadense fosse uma catástrofe para o país. Foram investidos cerca de um bilhão e meio de dólares, que saíram dos cofres públicos, e o canadense de Montreal levou quase quarenta anos para quitar a dívida. Além disso, como o chamado “espírito olímpico” fora sepultado em Munique, as divergências no campo político-ideológico deram o tom antes de a competição se iniciar, em 17 de julho.

A Guerra do Vietnã havia terminado três anos antes, com a derrota humilhante da maior potência do planeta para um país miserável da Indonésia. O terrorismo de modo geral seguia sua trilha de represálias às prisões de integrantes de seus grupos, com atentados a bomba e sequestros de aviões comerciais como forma de ameaça. Os militares responsáveis pelas ditaduras mais sangrentas na América Latina sentiam-se à vontade no poder. Pior, três anos antes haviam ganhado mais um aliado importante: o Chile do general Augusto Pinochet. Em 1976, as ditaduras militares continuavam a sequestrar, torturar e sumir com os corpos de seus adversários políticos sem grandes cerimônias. O preço do petróleo subira vertiginosamente, provocando uma grave crise econômica geral. E, no extremo do continente africano, a África do Sul personificava “o que havia de pior” no que tange ao respeito aos direitos básicos dos cidadãos negros, mantendo sua política de segregação racial (Apartheid) e indicando não dar a mínima para as pressões que recebia de um número cada vez maior de países.

Com tudo isso, os Jogos Olímpicos de Montreal foram objeto de um dos maiores boicotes políticos. A tranquilidade só reinou mesmo durante a cerimônia de abertura, quando 6.084 atletas, representando 92 países, desfilaram pelo Estádio Olímpico. Logo após o término da festa, vinte e três nações africanas, mais Iraque, Líbano e Guiana, se retiraram dos Jogos, em protesto pela decisão do COI (Comitê Olímpico Internacional) de não suspender a Nova Zelândia. A razão era a excursão que a seleção neozelandesa de rugby havia feito semanas antes à África do Sul, país que estava suspenso das competições internacionais. E a recusa do COI se deu por um argumento patético: considerava o rugby um “esporte não olímpico”…

Além dos países citados, Taiwan se recusou a partilhar a “festa esportiva”. Sua exigência em ser reconhecido como “República” (como a China comunista e independente desta) não foi aceita pelo Canadá (o reconhecimento implicaria problemas com a poderosa China comunista).

Em meio a todas essas questões, ainda havia uma nuvem ameaçadora pairando sobre as cabeças de vários atletas – todos suspeitos de utilizarem substâncias dopantes para competir. A lançadora de disco Danuta Rosana, da Polônia, foi a primeira mulher a ser identificada pelo controle antidoping, ao usar esteroides anabolizantes para melhorar seu desempenho.

Os Jogos de Montreal foram responsáveis pela primeira grande ofensiva nessa área. O COI determinou que os três medalhistas de cada prova fossem submetidos ao controle, além de outros atletas escolhidos por sorteio. Ao final da competição que durou duas semanas, dois mil exames haviam sido realizados, com onze resultados positivos – oito deles no Levantamento de Peso.

OS DESTAQUES

O grande destaque dos Jogos Olímpicos de Montreal-76 foi uma adolescente romena, de apenas 14 anos. Na verdade, Nadia Comaneci assombrou o mundo com seu desempenho na Ginástica Artística. Ela foi tão superior às adversárias e realizou os movimentos tão perfeitamente em vários aparelhos que recebeu a nota “10”, pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos. E isso se repetiu sete vezes. O curioso é que o placar eletrônico não havia sido programado para estampar a nota “10” em seu painel. Quando Comaneci ganhava uma nota “10”, o painel mostrava “1.00”…

Nadia Comaneci ganhou cinco medalhas – três delas de ouro – e se transformou na ginasta campeã olímpica mais jovem de todos os tempos.

Outra ginasta que chamou a atenção, mas, por motivos óbvios, acabou ofuscada, foi a soviética de ascendência mongol Nellie Kim, que também conquistou três medalhas de ouro.

No Atletismo, Lasse Viren, da Finlândia, levou o ouro nos 5.000m e 10.000m, a exemplo do que fizera nos Jogos de Munique-72, e o quinto lugar na Maratona. Chegou perto do “tricampeonato” do legendário Emil Zatopek conquistado em Helsinque-52.

Ainda no Atletismo, o cubano Alberto Juantorena tornou-se o primeiro atleta a vencer os 400 e os 800m em uma mesma Olimpíada.

No Boxe, os americanos dominaram. Nada menos do que cinco pugilistas do país conquistaram medalhas de ouro em Montreal, naquela que para muitos foi a maior equipe de boxe olímpico já formada nos Estados Unidos. Alguns nomes do quinteto acabariam conhecidos mundialmente, como Sugar Ray LeonardLeon SpinksMichael Spinks.

Os Jogos de Montreal foram os primeiros a receber as modalidades femininas de basquetehandebol e remo. E o vôlei feminino do Japão, que havia vencido em Tóquio-64 e conquistado a prata nas duas edições subsequentes (México-68 e Munique-72), voltou a conquistar o ouro em Montreal. Dessa vez, sem perder um só set.

No quadro final geral, a União Soviética ficou em 1º lugar. Em 2º vieram os alemães orientais (comunistas). E, pela primeira vez desde que começaram a disputar as Olimpíadas, os americanos ficaram em 3º lugar. Como curiosidade, também foi a primeira e única vez que o país-sede terminou uma edição dos Jogos sem ganhar uma só medalha de ouro. O Canadá ficou em 27º lugar, com cinco medalhas de prata e seis de bronze.

 

O BRASIL NOS JOGOS MONTREAL 1976

A delegação brasileira levou a Montreal 93 atletas (86 homens e sete mulheres) para disputar doze modalidades: atletismo, boxe, esgrima, futebol, judô, levantamento de peso, natação, remo, saltos ornamentais, tiro esportivo, vela e vôlei. Após duas semanas de competição, trouxe na bagagem duas medalhas de bronze, repetindo o desempenho de Munique-72 – as modalidades foram exatamente as mesmas (Salto Triplo e Vela), mas, no Atletismo, o nome mudou: de Nelson para João.

João Carlos de Oliveira chegou famoso ao Canadá – o apelido “João do Pulo” já havia ganhado as páginas das principais publicações esportivas do planeta. Ele havia estabelecido a incrível marca de 17,89m e estabelecido novo recorde mundial, aos 21 anos, no Pan do México-75. Em Montreal esteve sempre à frente nas eliminatórias. Na fase final, porém, não conseguiu ir além de 16,90m e acabou superado pelo soviético Viktor Saneyev, que levou o ouro pela terceira vez seguida (17,29m).

João seguiu a tradição brasileira no Salto Triplo, que se iniciou com o 14º lugar do jovem Adhemar Ferreira da Silva, então com 21 anos, nos Jogos de Londres-48. Adhemar sagrou-se bicampeão olímpico nas duas edições olímpicas seguintes e passou o bastão a Nelson Prudêncio, que conquistou a prata no México-68 e o bronze em Munique-72, já enfrentando o fenômeno Saneyev. “João do Pulo” não ganhou o ouro no Canadá, mas seu recorde mundial no Salto Triplo permaneceu por longos dez anos.

A segunda medalha foi conquistada pela dupla de velejadores Reinaldo Conrad e Peter Ficker, na classe flying dutchmann. Conrad já era um veterano em Olimpíadas e se juntou a um velejador que havia se formado em Engenharia, um cara bastante racional. Ele e Peter sabiam que a diferença da cor da medalha poderia estar nos detalhes de preparação e dos equipamentos utilizados pelos competidores. Aproximaram-se dos melhores velejadores estrangeiros, aprenderam algumas coisas relacionadas à estrutura dada aos adversários (americanos e canadenses, por exemplo, contavam com um equipamento que lhes dava a previsão do tempo e o comportamento dos ventos na hora das regatas) e foram para a água. Por apenas 0s4 (quatro décimos de segundo), deixaram escapar a medalha de prata. Ao final, subiram no pódio, com uma suada medalha de bronze, a segunda de Conrad.

O futebol por pouco não aumentou a lista de medalhas, com um 4º lugar. O time comandado por Cláudio Coutinho, que seria o técnico brasileiro na Copa do Mundo de 1978, contou com futuros destaques em Mundiais, como o goleiro Carlos, o zagueiro Edinho e o lateral Júnior. A seleção perdeu para a Polônia na semifinal e, na disputa pelo bronze, voltou a perder, para a União Soviética.

Na final do torneio, a Alemanha Oriental bateu a Polónia por 3×1 e sagrou-se campeã.

Com as duas medalhas de bronze, o Brasil terminou os Jogos de Montreal-76 em 36º lugar, à frente de apenas cinco países – Áustria, Bermudas, Paquistão, Porto Rico e Tailândia.

Quando: 17/07/1976 a 01/08/1976

Países participantes: 92

Total de atletas: 6.084 (masculino: 4.824, feminino: 1.260)

Total de modalidades: 21

Total de medalhas distribuídas: 613

Participação do Brasil: 36º lugar

MEDALHAS BRASILEIRAS

Modalidade: Atletismo

Prova: Salto triplo masculino

Atleta: João do Pulo

Resultado: Medalha de bronze

Modalidade: Vela

Prova: Flying dutchman

Atletas: Peter Ficker, Reinaldo Conrad

Resultado: Medalha de bronze

 

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado. Required fields are marked *

*