Por Hélio Alcântara

Essa foi a primeira vez em que os Jogos Olímpicos foram disputados no hemisfério sul. A cidade de Melbourne, Austrália, foi selecionada pelos representantes do COI (Comitê Olímpico Internacional), em abril de 1949, mas quase perdeu a vaga para outra cidade da metade sul do planeta. Por um voto, Buenos Aires, capital da Argentina, deixou de sediar a edição de 1956 dos Jogos Olímpicos.

A situação política no mundo estava longe de ser tranquila. A começar pela chamada “guerra fria”, disputa política, econômica e ideológica polarizada por URSS e EUA. Em termos simples, as duas potências lutavam pela dominação do planeta. E o ameaçavam pela possibilidade de destruí-lo com bombas nucleares.

A URSS, aliás, foi indiretamente responsável pelo boicote olímpico de alguns países. Espanha, Suiça e os Países Baixos (Holanda) se recusaram a disputar os Jogos de Melbourne em protesto à invasão das tropas soviéticas na Hungria, no ano anterior. Ingleses e franceses também foram responsáveis indiretos por outro boicote: Iraque, Líbano e Egito não participaram dos Jogos por causa da questão envolvendo israelenses e egípcios, que disputavam o Canal de Suez (canal que liga os mares Vermelho e Mediterrâneo construído no Egito). Exércitos de Inglaterra e França foram enviados ao Canal para defender os interesses (dinheiro e ponto estratégico) desses países, aliados aos israelenses. E, por fim, a China. O país recusou-se a disputar os Jogos de Melbourne-56 em virtude da presença de Formosa, de orientação capitalista, na condição de nação. Contraditoriamente, alguns desses países participaram das provas de hipismo em Estocolmo, Suécia.

Estocolmo, Suécia?! A lei australiana determinava uma quarentena de seis meses aos cavalos participantes. Sem tempo hábil de cumpri-la, o COI decidiu cinco meses antes do início que toda a competição de hipismo seria realizada na capital sueca, cujas leis não impunham essa restrição.

Quando, enfim, chegou o dia da cerimônia de abertura, 3.314 atletas (376 mulheres) representando 72 nações estavam inscritos para a disputa dos Jogos Olímpicos.

Diante desse quadro político tenso, e, certamente, por causa dele, os Jogos de Melbourne foram chamados “Jogos Amistosos”. Aproveitando-se da circunstância e consciente do “desejo” do COI, um carpinteiro australiano de origem chinesa, John Ian Wing, escreveu uma carta à entidade olímpica. Sugeria que o desfile de encerramento fosse diferente do de abertura. Se, na cerimônia inicial, as delegações desfilavam separadamente, no encerramento todos os atletas deveriam se apresentar misturados, em uma verdadeira demonstração de unidade e de confraternização entre os povos. O COI aceitou a sugestão de Wing, e a partir daqueles jogos todas as cerimônias de encerramento passaram a ser nesse formato.

Mas, apesar dos esforços na direção da paz, o que se viu em algumas disputas esportivas foi exatamente o contrário. Soviéticos e húngaros não se entendiam pelo menos desde os tempos da II Guerra Mundial, quando estiveram em lados opostos. Com a invasão soviética, em 1955, o ódio húngaro se aprofundou. E quando entraram na piscina para o jogo de polo-aquático, pela semifinal do torneio, húngaros e soviéticos reacenderam o pavio, fazendo com que esse mesmo ódio se alastrasse para as arquibancadas. Os húngaros eram os maiores vencedores no polo-aquático e estavam derrotando os soviéticos, por 4×0, em um jogo bastante violento de parte a parte. A tensão chegou ao ápice quando o atleta húngaro Ervin Zádor teve o supercílio aberto por um golpe do adversário e o sangue jorrou sobre o próprio corpo, manchando a água. A torcida se inflamou, deixando clara sua torcida pelos húngaros, os jogadores se engalfinharam em uma briga generalizada, e a polícia foi obrigada a intervir, evitando um tumulto que se desenhava incontrolável. Essa semifinal entre URSS e Hungria acabou carimbada como o jogo do “Sangue na Água”. Após o término dos Jogos de Melbourne, vários atletas húngaros pediram asilo político, para não ter de viver no próprio país sob o comando dos soviéticos.

OS DESTAQUES DE MELBOURNE

Os Jogos de Melbourne-56 trouxeram uma novidade no âmbito tecnológico em favor do esporte. Naquele ano, a esgrima utilizou espadas ligadas a um circuito elétrico pela primeira vez, tornando automática a marcação dos pontos e facilitando o trabalho da arbitragem. Naturalmente, os erros e as “injustiças” nos resultados passariam a ser mínimos a partir de então.

Entre os atletas houve destaques inesquecíveis. No pugilismo (peso leve), o húngaro Laszlo Papp tornou-se o primeiro boxeador a conquistar três medalhas de ouro consecutivas em categorias diferentes – ele havia vencido em Londres (peso meio médio) e em Helsinque (peso leve). Por ser húngaro e ter conquistado o ouro mais uma vez, ganhou simpatia e apoio do público australiano.

Nos Saltos Ornamentais, a americana Pat McCormick ganhou duas provas de saltos ornamentais, exatamente como fizera quatro anos antes.

Na ginástica, dois atletas praticamente pulverizaram seus adversários. No masculino, o ucraniano Viktor Chukarin levou cinco medalhas, sendo três de ouro. E no feminino, a húngara Agnes Keletia ganhou quatro medalhas de ouro e duas de prata.

O basquete americano foi responsável pelo desempenho mais espetacular até então na história dos Jogos Olímpicos. Talvez essa equipe, liderada pelo fantástico Bill Russel e por K.C. Jones, tenha sido o primeiro verdadeiro “Dream Team” (Time dos Sonhos). Os americanos derrotaram todos os seus adversários com placares com diferença de 30 pontos ou mais. Além disso, marcaram mais do que o dobro de pontos dos seus oponentes. E, isso, numa época em que ainda não havia a cesta de 3 pontos…

Para os donos da casa, a grande sensação dos Jogos foi a adolescente australiana Betty Cuthbert. Ganhou o apelido de “Garota Dourada” porque venceu as provas de atletismo nos 100 m, 200 m e revezamento 4×100 m. O tempo de Cuthbert nos 100 m foi 11.5 segundos. Quatro dias depois dessa prova, ela estabeleceu novo recorde mundial nos 200 m, com 23.2 segundos.

Também no atletismo, dois destaques: o americano Bobbby Morrow, de apenas 21 anos, conquistou o ouro nas provas de 100 m, de 200 m (igualando o recorde mundial) e, com seus companheiros de equipe, estabeleceu novo recorde mundial no revezamento 4×100 m. Com esse desempenho, interrompeu a série de vitórias de atletas negros na modalidade. Para muitos, Morrow é o maior “sprinter” (velocista de distâncias curtas) branco de todos os tempos.

Outro destaque na modalidade, mas, nas provas de fundo, foi o soviético Vladimir Kuts. Ele venceu os 5 mil e os 10 mil metros, provas que haviam mitificado o grande corredor tcheco Emil Zatopek, em edições anteriores. Com essas vitórias, Kuts contribuiu para que a URSS obtivesse o maior número de medalhas de ouro e terminasse em 1º lugar na competição, portanto, à frente dos americanos pela primeira vez.

O tcheco Zatopek correu a maratona e chegou em 6º. Mesmo assim, teve postura nobre, ao parabenizar o vencedor da prova, o francês Alain Mimoun, seu eterno “freguês”: “Estou feliz com sua vitória. Era justo que chegasse o seu dia.”

O BRASIL NOS JOGOS DE MELBOURNE-56

A distância geográfica era enorme – havia dois oceanos entre Brasil e Austrália. Com isso, viajar até Melbourne custava caro. Além disso, você já sabe que a situação política no mundo não era tranquila. Também por isso, só 48 brasileiros participaram dos Jogos – quatro anos antes, o Brasil havia enviado mais do que o dobro (107 atletas).

Adhemar Ferreira da Silva foi o único brasileiro a conquistar uma medalha em Melbourne. E foi de ouro. Seu desempenho contou com um ingrediente importante para quem compete: o apoio das arquibancadas. Diplomático e muito inteligente, o brasileiro soube cativar a plateia presente ao estádio, no dia da prova – a exemplo do que ocorrera quatro anos antes, em Helsinque.  E começou pelas crianças que auxiliavam os atletas na pista. Concedeu-lhes autógrafos e posou para fotos. Na hora dos saltos, tinha a torcida de todas elas, que acabariam inflamando as arquibancadas. Saltou 16,35 metros, derrotou o islandês Vilhjalmur Einarsson e estabeleceu novo recorde olímpico. Adhemar foi ovacionado. E se dirigiu às crianças: “Essa medalha também é de vocês.”

Adhemar manteve-se como o único atleta brasileiro bicampeão olímpico pelos 48 anos seguintes. Hoje, lhes fazem companhia Torben Grael e Robert Scheidt (velejadores), Maurício e Giovane (jogadores de vôlei) e José Roberto Guimarães (técnico de vôlei).

Os Jogos de Melbourne-56 apresentaram ao planeta alguns atletas que em pouco tempo se tornariam campeões mundiais em suas modalidades. Mas, naquela edição dos Jogos, passaram quase despercebidos. Eder Jofre, futuro bicampeão mundial no boxe, estava lá. E terminou em 5º lugar (peso Galo), depois de ser derrotado pelo chileno Cláudio Barrientos, por pontos.

Também estavam em Melbourne, Wlamir Marques, Edson Bispo, Amaury e “Algodão”. Ao lado de outros companheiros da Seleção Brasileira de Basquete, seriam campeões mundiais menos de três anos depois (janeiro de 1959), no Chile. Em Melbourne, ficaram em 6º lugar, ao perderem a disputa do 5º lugar para a Bulgária, também integrante da chamada “Cortina de Ferro” .

No quadro de medalhas dos Jogos de Melboiurne-56, a URSS terminou em 1º lugar, com 37 medalhas de ouro, os EUA em 2º, com 32, e a Austrália em 3º, com 13 medalhas douradas. O Brasil ficou em 24º lugar, ao lado da Índia, graças à medalha de ouro conquistada por Adhemar Ferreira da Silva no salto triplo.

Quando: 22/11/1956 a 08/12/1956

Países participantes: 72

Atletas: 3314 (masculino: 2938; feminino: 376)

Total de modalidades: 19

Total de medalhas distribuídas: 327

Participação do Brasil: 24º lugar

MEDALHA BRASILEIRA

Modalidade: Atletismo

Prova: Salto triplo masculino

Atleta: Adhemar Ferreira da Silva

Resultado: Medalha de ouro

 

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