Por Hélio Alcântara

A escolha da Alemanha como sede dos Jogos Olímpicos de 36 foi feita pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) cinco anos antes. Essa decisão traria a Alemanha de volta ao cenário internacional, depois do isolamento provocado pela I Grande Guerra.

O então chanceler do país e um dos futuros maiores assassinos da história do Homem, Adolf Hitler, concordou com a ideia de seu ministro da propaganda, Joseph Goebbels, que viu nos Jogos uma oportunidade espetacular de passar ao mundo a imagem positiva, conciliadora e de superioridade da “raça ariana pura”.

Se durante os Jogos, Hitler conseguiu passar a mensagem de superioridade ao mundo, com os atletas alemães ganhando um total de 89 medalhas (33 de ouro) e conquistando o 1º lugar, à frente de americanos e húngaros, internamente, essa política de “superioridade” (trazia na essência o desejo de uma “limpeza étnica”, embrião do genocídio que ocorreria poucos anos mais tarde, com o extermínio de seis milhões de judeus) teve de neutralizar a força daqueles que não eram alemães “puros”, mas eram melhores tecnicamente.

Em abril de 1933, portanto, pouco mais de três anos antes do início dos Jogos de Berlim, foi instituída a política esportiva segregacionista – “somente para arianos”. Todas as entidades que agrupavam e/ou representavam atletas em várias modalidades foram excluindo aqueles que não eram alemães. A expulsão mais simbólica talvez tenha sido a do campeão de boxe amador Erich Seelig. Embora campeão, ele era judeu. No tênis e no atletismo também houve expulsões de atletas judeus, que acabaram não disputando os Jogos.

Esses atletas excluídos formaram associações para que pudessem treinar. Mas as instalações e a estrutura eram infinitamente inferiores às concedidas aos “alemães puros”. Naturalmente, a desigualdade em termos físicos e de rendimento passou a ser evidente.

Além da medida segregacionista, Hitler despejou milhões de dólares na construção do Estádio Olímpico, de ginásios e de uma vila olímpica luxuosa.

A ideia era impressionar o mundo. E, para receber as delegações estrangeiras, em 1936, uma verdadeira maquiagem foi levada a cabo em Berlim: duas semanas antes da abertura dos Jogos, centenas de ciganos foram presos e confinados em um campo, sob guarda policial, para que os estrangeiros não os vissem. Além disso, placas que diziam “judeus não são bem-vindos” foram retiradas e escondidas. E, coroando a postura nazista, a polícia foi orientada a não prender e não submeter os estrangeiros homossexuais às leis vigentes na Alemanha, que consideravam o homossexualismo “um crime”.

A preocupação de vários países que acompanhavam o crescimento dessa política alemã de “limpeza étnica” quase se materializou em boicote aos Jogos de Berlim. Americanos, franceses, suecos, holandeses, tchecos e ingleses discutiram a possibilidade do boicote. Alguns achavam que participar dos Jogos de Berlim-36 seria uma espécie de apoio ao regime imposto pelo “Führer”. Os atletas negros americanos, por sua vez, estavam decididos a ir – a intenção era exatamente a de participar para derrotar os alemães. E atletas judeus de vários países tomaram a decisão mais rapidamente: boicotar os Jogos.

No entanto, o boicote geral não se concretizou e, no dia 1º de agosto de 1936, na cerimônia de abertura, lá estavam todas as 49 delegações, incluindo a brasileira, no Estádio Olímpico de Berlim, diante de Hitler e das centenas de bandeiras nazistas – a suástica em primeiro plano e a bandeira olímpica quase incógnita.

Nos Jogos que inauguraram o revezamento da tocha olímpica (ela foi carregada por milhares de atletas que se revezaram desde a cidade grega de Olímpia até chegar ao estádio, em Berlim), o Brasil participou com uma delegação de 95 atletas – seis mulheres. Mas nada foi planejado ou arquitetado com harmonia – muito pelo contrário.

Até 1935, era a própria CBD (Confederação Brasileira de Desportos) que organizava a ida dos atletas às competições internacionais. Mas naquele ano foi criado o COB (Comitê Olímpico Brasileiro), e a discussão em torno de quem seria o responsável pela organização e envio da delegação brasileira atrapalhou a preparação. Somente às vésperas do embarque para Berlim é que houve um acordo: as equipes foram mescladas e o COB, afinal, se responsabilizou pelo embarque.

Os atletas brasileiros foram inscritos em dez modalidades esportivas. Natação (Piedade Coutinho-5º lugar nos 100m livre feminino) e atletismo (Sylvio de Magalhães Padilha-5º lugar nos 400m com barreiras) foram as que obtiveram melhor resultado, mas ninguém ganhou medalhas. Um detalhe importante foi a estreia do basquete masculino em Jogos Olímpicos, modalidade que ao longo do tempo viveria o céu (com três medalhas de bronze) e o inferno (com um jejum de 16 anos sem disputar uma só olimpíada).

De modo geral, os Jogos Olímpicos de Berlim-36 ficaram marcados por um duelo esperado, mas com desfecho inimaginável. De um lado, Lutz Long, atleta alemão que representava involuntariamente o anseio de Hitler na busca pela superioridade da “raça pura ariana”. Do outro, o atleta americano negro Jesse Owens. O “Führer” certamente não contava com a doçura e a nobreza do atleta alemão nessa disputa político-desportiva.

A cena, revelada anos mais tarde por Jesse Owens, tornou-se célebre. Na disputa entre os dois no Salto em Distância, o americano já havia saltado duas vezes e queimado ambas as tentativas. Lutz, que observava Owens atentamente, liderava a prova, com seus 7,87 metros. Antes do salto seguinte do americano, Lutz se aproximou e disse que o mesmo havia acontecido com ele no ano anterior, na cidade de Colônia. E o aconselhou, dizendo para dar o impulso cerca de quinze centímetros antes da tábua de salto, evitando queimar o salto mais uma vez e ser eliminado da prova. De acordo com Owens, em sua biografia, o alemão chegou a colocar sua toalha na marca onde o americano deveria pisar antes de se lançar ao ar. Owens mediu seus passos novamente e seguiu a dica do alemão. Saltou 7,94 metros, assumiu a liderança e se classificou. Na sequência, Lutz queimou seu salto e, ironicamente, tornou-se corresponsável pela medalha de ouro de Jesse Owens, que, no salto derradeiro, garantiu o ouro com inacreditáveis 8,06 metros.

Hitler não estava no estádio, Hitler estava no estádio. A história contada por Owens realmente aconteceu? Há contestações a respeito. Em ambos os casos, permanece a dúvida e a aura de mistério. O que importa é que o estádio todo assistiu, espantado, ao desempenho do atleta americano, que representou a humilhação do “Führer”. A política de “superioridade da raça ariana” havia sofrido um duro golpe – pior, esse golpe havia sido dado por um negro.

Owens, nascido no Alabama, tornou-se grande amigo de Long e viveu até 1980. O alemão lutou na II Grande Guerra e morreu em um hospital militar, em 1943.

Assim que os Jogos de Berlim-36 terminaram, Hitler e seu bando constataram, felizes, que a imprensa internacional havia ficado com ótima impressão sobre a organização, hospitalidade e a “postura pacífica” alemã em relação aos direitos dos cidadãos de modo geral. O caminho estava aberto para que se consolidasse uma das maiores barbáries da história da humanidade.

Quando: 01/08/1936 a 16/08/1936

Países Participantes: 49

Total de tletas: 3963 (masculino: 3632; feminino: 331)

Total de modalidades: 21

Total de medalhas distribuídas: 388

Participação do Brasil: sem medalhas

 

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